Bemdito

Branquitude, mobilização e aprendizado

Como as pessoas brancas estudam sobre raça e o aprendizado ativo que o antirracismo demanda
POR Izabel Accioly

Como as pessoas brancas estudam sobre raça e o aprendizado ativo que o antirracismo demanda

Izabel Accioly
mariaizabelaccioly@gmail.com

Nos últimos dias, acompanhei o processo de uma amiga branca que está aprendendo francês. Ela instalou um aplicativo de exercícios e fez o download de um dicionário. Além disso, descobriu qual livro é usado na Casa de Cultura Francesa e o adquiriu. Também tem assistido filmes em francês para se habituar com o idioma. Ela realmente está empenhada nesse aprendizado. A vontade de aprender dela é ativa, mobilizadora.

Observando o processo de aprendizado dela, passei a refletir sobre como pessoas brancas costumam aprender sobre raça. Na maioria dos casos, o empenho não é o mesmo dessa amiga. Geralmente, quando pessoas brancas têm dúvidas sobre algo relacionado à raça, costumam convocar seus amigos negros para escurecê-los sobre a questão. “Izabel, qual o modo certo de me referir a vocês: preto ou negro?”. Quando recebo essa questão, sinto que a pessoa branca que pergunta está mais interessada em não parecer racista do que, efetivamente, adotar atitudes antirracistas. Não há nada de errado em não querer aparentar ser preconceituoso, mas é preciso ir além.

O branco que está aprendendo também costuma intimar pessoas negras a ser juízes em situação conflituosa sobre raça. É recorrente que narrem um acontecimento e, ao final, questionem “você acha que eu fui racista?”. Ao fazer isso, procuram a validação sobre seu ato. Nós, pessoas negras, precisamos ficar atentos para não sermos instrumentalizados dessa forma. Vocês, pessoas brancas, devem assumir a responsabilidade sobre a sua própria educação, e não delegar, sobrecarregando um amigo negro.

Quando exponho essa ideia, é comum que pessoas brancas se sintam desconfortáveis. Ora, não custa nada perguntar. Na verdade, custa sim. Custa o tempo e o esforço de uma pessoa negra que nem sempre está disposta e confortável com a situação. Ser didático sobre algo violento como o racismo é muito penoso. Não é só sobre ensinar algo que conhecemos, é sobre rememorar traumas, dar exemplos de casos de racismo ocorridos contra nós e isso tem um custo emocional que a pessoa branca, por nunca ter experienciado o racismo, não calcula.

Pessoas brancas não sofreram racismo, mas isso não quer dizer que elas não o conhecem. O racismo não acontece sozinho, há um agente. Alguém é racista contra alguém. É por esse motivo que brancos têm que ler, aprender, refletir sobre racismo. Não para assumir a dianteira em uma luta que não os pertence, mas para deixar de violentar pessoas não-brancas. Se a branquitude está verdadeiramente interessada em saber disso? Bom, não tenho essa resposta. Não sei até que ponto brancos podem efetivamente ir contra a estrutura racista que os beneficia. O primeiro obstáculo nesta tarefa é: como refletir sobre seus privilégios se você sequer entende o que é ser branco?

Segundo o Google Trends, houve um pico na busca da palavra branquitude entre os dias 31 de maio e 6 de junho de 2020, 6 dias após o assassinato de George Floyd, um homem negro, por Derek Chauvin, um policial branco que o sufocou até a morte em Minneapolis nos Estados Unidos.

Fonte: Google Trends

O que essa busca representa? Será que há relação entre a branquitude e o assassinato de homens negros pela violência policial? Bom, quem pesquisou sobre branquitude no Google naquela semana estava procurando entender, conhecer algo. As pessoas pesquisam quando querem aprender um assunto, se informar sobre um tema. Do mesmo modo, quando você sentir interesse em aprender algo sobre raça, adote a mesma intenção, ação, empenho. Seja responsável pela sua educação e pare de dirigir ao outro essa tarefa. Quer trocar ideias com mais pessoas sobre as suas pesquisas? Abra um grupo de estudos, um clube do livro. Chame seus amigos para o debate, inscreva-se em um curso. Empenhe-se em conhecer.

Minha amiga nunca terá o francês como língua materna e pode nunca atingir a fluência como uma francófona. Ela pode até cometer um ou outro erro, mas está ativamente empenhada em seu aprendizado. Quando falamos sobre raça, será que pessoas brancas podem adotar o mesmo aprendizado ativo que minha amiga adotou? Para além disso, será que os brancos podem aprender a ser antirracistas? Acredito que não é tanto sobre poder aprender, mas sobre verdadeiramente querer aprender.

Izabel Accioly é antropóloga, professora e pesquisadora das temáticas de relações raciais e branquitude. Está no Twitter e no Instagram.

Izabel Accioly

Mestra em Antropologia Social pela UFScar, é pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Relações de Poder, Conflitos e Socialidades da USP/UFScar.