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Racha em facção pode trazer novo grupo criminoso ao Ceará

Órgãos de inteligência investigam possível racha no CV, enfraquecido no Rio e no CE; chegada do TCP também é monitorada
POR Thiago Paiva

Órgãos de inteligência investigam possível racha no CV, enfraquecido no Rio e no CE; possibilidade de chegada do TCP também é monitorada

Thiago Paiva
r.thiagoo@gmail.com

O enfraquecimento da facção Comando Vermelho (CV) no Rio de Janeiro, e também no Ceará, após as prisões de grande parte dos líderes da organização criminosa no Estado, teria levado a um racha entre membros do grupo. Na última semana, um “salve geral” – mensagem que teria partido de chefias da facção, integrantes presos em unidades de segurança máxima do Estado – anunciou aquilo que seria o desligamento do grupo criminoso.

Identificados como “membros do Conselho CV”, eles informaram que estavam “entregando as camisas” e se tornando “neutros e massa carcerária”, como são denominados aqueles que não possuem facção. O texto alega que, durante o mês de maio, o “crime do Ceará” passaria por muitas mudanças e que todos deveriam respeitar as decisões que fossem tomadas pelos “donos de área” que estão presos.

O salve cita ainda insatisfações com a condução da facção no Estado, com “derramamento de sangue de inocente”, perseguição de familiares, tomada de territórios, execução de membros e abandono. Também é mencionada uma busca por liberdade e desobrigação de “pagar caixinha”, como são chamadas as contribuições em dinheiro obrigatórias à facção.

O salve é concluído informando que, pelos motivos citados, a partir de agora, as lideranças das áreas deveriam atuar de maneira independente. O texto também promete punições a traidores e ainda guerra para manter territórios dominados. Em Fortaleza, a ordem valeria para bairros como Curió, Alagadiço Novo, Lagoa Redonda, Guajerú, Coaçu e Paupina, todos na Grande Messejana, além de Moura Brasil e Itaoca. Também são mencionados municípios como Maranguape, Caucaia, Aracati, Crato, Sobral e Barreira.

A coluna apurou que os órgãos de inteligência da Segurança Pública do Ceará, em parceria com outros estados, monitoram a situação. O salve, que circulou nas comunidades, aumentou a sensação de insegurança nos locais dominados por esses grupos. De maneira informal, muitos servidores do Município que prestam serviços essenciais nas ruas foram orientados a adotar o home office temporariamente.

Na última terça-feira, 18, um helicóptero da Coordenadoria Integrada de Operações Aéreas (Ciopaer), da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), sobrevoou alguns desses locais. Já na quinta-feira, 20, um suposto salve circulou dando conta de que a neutralidade teria sido suspensa “até segunda ordem”. Líderes do CV de fora do Estado estariam tentando contornar a situação.

A possível chegada do TCP
O Comando Vermelho surgiu nas penitenciárias do estado do Rio de Janeiro ainda em 1979. De lá para cá, a facção acumula várias histórias de conflitos internos e dissidências que levaram ao surgimento de outras organizações criminosas, como é o caso do Terceiro Comando Puro (TCP), criado por volta de 2002. Esta última vem aumentando cada vez mais sua atuação no Rio, sobretudo após o alinhamento com os principais rivais do CV no Estado, que dominam mais da metade dos territórios usados para o tráfico de drogas: as milícias.

A situação preocupa as autoridades da Segurança também aqui no Ceará. Isso porque o racha no Comando Vermelho poderia culminar na adesão ao TCP, trazendo uma nova rivalidade entre criminosos ao Estado. Ainda no “salve” que circulou nos últimos dias, após “rasgarem a camisa” do CV, os líderes da organização prometeram “não integrar novas facções”.

Fontes ouvidas pela coluna, porém, duvidam dessa garantia. “Hoje não existem grupos criminosos que atuem de maneira autônoma. Eles precisam desse suporte das facções. Caso esse racha se mantenha, esses criminosos devem migrar para outros grupos. Sobre o TCP, a própria operação no Jacarezinho, no Rio de Janeiro, foi uma investida contra o CV que demonstrou o enfraquecimento da facção”, afirmou um dos investigadores, que prefere não se identificar.

No último dia 6 de maio, 29 pessoas foram mortas, incluindo um policial, durante operação da Polícia Civil na comunidade do Jacarezinho, no Rio. A região é dominada pelo CV naquele Estado. A ação foi classificada como a mais letal da história do Rio de Janeiro, com várias denúncias de execução e outras irregularidades.

O investigador acredita ainda na possibilidade de que os dissidentes possam ser cooptados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), que rivaliza com o CV no Ceará. “Em todos os casos, o CV resistirá e haverá guerra e muitas mortes. Estamos monitorando e atuando para evitar essa situação. Mas as expectativas são de aumento no número de homicídios nos próximos meses”, concluiu.

Thiago Paiva é jornalista especializado na cobertura de segurança pública, política e judiciário. Está no Instagram e Twitter.

Thiago Paiva

Jornalista especializado na cobertura de segurança pública, política e judiciário, é assessor de imprensa e foi repórter especial no Núcleo de Jornalismo Investigativo do jornal O Povo.