Extra! Não existe racismo na Inglaterra!
Relatório do governo britânico sobre racismo estrutural, conduzido por pessoas que não acreditam no racismo estrutural, não encontra evidências de racismo estrutural
Cintia Bailey
cintia.bailey@outlook.com
Talvez a pergunta que mais me fazem, desde que me mudei para a Inglaterra, é se alguma vez sofri racismo aqui. Não tenho certeza se é a resposta que a maioria das pessoas espera, mas sempre digo que nunca ouvi ou senti nada negativo nesse sentido, em 13 anos morando aqui. Na verdade, a única coisa pejorativa que ouvi sobre a minha pessoa aqui veio de uma brasileira falando para alguns dos meus amigos Ingleses que eu vim de uma parte ruim do país – Nordeste – quando ela vinha do Sul, “a melhor parte”.
Londres é uma cidade tão multicultural que, andando por aí, você vê todas as cores e escuta todos os idiomas. Quando cheguei aqui, meu primeiro trabalho foi em uma agência de mídia com pessoas de todo o mundo e fiquei lá oito anos. Achava, cada vez mais, que a Inglaterra era um exemplo de diversidade para o resto do mundo.
No entanto, com o tempo, aconteceram algumas coisas que me fizeram pensar que estava sendo um pouco ingênua e me senti um pouco boba finalmente vendo algumas verdades duras sobre a Inglaterra. A decisão em 2016 de votar para deixar a União Europeia foi recebida com surpresa porque, por mais que de vez em quando se ouvia falar de pessoas bem negativas em relação à imigração, achava que isso vinha de meia dúzia de gatos-pingados. Claramente, o preconceito desempenhou um papel enorme no resultado do referendo. Logo após a votação do Brexit, muitas histórias racistas apareceram na mídia; pessoas sendo instruídas a voltar para os seus países de origem e outras sendo solicitadas a falar Inglês ao conversar com amigos em sua própria língua na rua.
A gente escuta essas coisas e começa a amofinar, né? Parecia que o Brexit abria a porta para o preconceito de muita gente sair, sem vergonha alguma.
Nesta semana, saiu um relatório do governo britânico chamado Comissão sobre Raça e Disparidades Étnicas, encomendado após os protestos do movimento Black Lives Matter, para avaliar o racismo aqui. O tal documento está recebendo críticas duras, sendo considerado profundamente cínico e uma negação da escala da desigualdade racial daqui.
No relatório, o Reino Unido “não” tem um sistema fraudado contra as minorias étnicas. No entanto, os negros na Inglaterra e no País de Gales têm nove vezes mais chance de serem parados e revistados pela polícia do que os brancos e as mães negras têm quatro vezes mais chance de morrer no parto do que as brancas. O relatório termina dizendo que o “sucesso” na remoção da disparidade daqui “deve ser considerado um modelo para outros países de maioria branca”. No dia seguinte à sua publicação, até o Conselheiro para Sociedade Civil e Comunidades do governo renunciou.
E aí vou para o trabalho e ouço uma colega branca de meia-idade dizer que está farta de nos pedirem – corretamente – para usarmos, em nossas campanhas de comunicação, imagens que retratem a real diversidade da organização, em vez de imagens apenas de funcionários brancos. E escuto outra falar; “Que saco essa onda de diversidade. Terei que pedir desculpas por ser branca e heterossexual agora?”.
E, assim como amofinada, também me sinto desapontada por ter acreditado na farsa por tanto tempo.
Cintia Bailey é jornalista e podcaster. Está no Instagram.