Bemdito

A armadilha anunciada: a antipolítica de Bolsonaro é o “Centrão”

O aceno do presidente à "velha política" não surpreende - é preciso fazer articulação com os parlamentares para ter sobrevivência política
POR Paula Vieira

Os parlamentares estão de recesso. Enquanto isso, com o alívio do desgaste diário decorrente da CPI Covid, Jair Bolsonaro alinha os movimentos para construir a sobrevida de seu governo e a busca pela reeleição em 2022. 

Na última semana, Bolsonaro disse em entrevista que é do “Centrão”, pois já foi filiado ao PFL (atual DEM), PP e PTB. A afirmação é, no mínimo, curiosa, por ele ter negado ser parte da “velha política” durante a campanha de 2018, mas não surpreende. Meu intuito é explicar o que muitos consideram óbvio: Bolsonaro precisa de articulação com os parlamentares para a sobrevivência política. 

O “Centrão” foi, em sua origem, uma estratégia de jogo político utilizada pela direita ligada ao regime autoritário, durante a Constituinte que elaborou a Constituição Federal de 1988. O objetivo foi reorganizar as forças partidárias em disputa diante das regras decisórias naquele contexto específico. 

Ao longo da década de 1990, os políticos do “Centrão” se adaptaram e se aliaram às direitas moderadas, por vezes denominadas como centro-direita, como forma de dar sobrevida à prática política que pudesse abrir espaço para a disputa de interesses políticos (bases eleitorais regionais) e econômicos (mercado e privatizações). 

Para isso, se articularam para construir espaços de ação na política institucional, mais especificamente no Legislativo, cujo cenário do sistema partidário funcionava para a formação de coalizões. A coalizão, por sua vez, é a aproximação de partidos por meio da distribuição de cargos, por exemplo, os Ministérios, e que irão compor o governo Executivo.  

A incredibilidade na política foi impulsionada por uma sequência de acontecimentos recentes que fomentaram dúvidas sobre as instituições: Mensalão, eleições de 2014 com a desconfiança de fraude, Lava Jato, impeachment de Dilma Rousseff, governo Temer com baixa popularidade. E é nessa circunstância antissistema que a estratégia do “Centrão” se fortalece. 

No Legislativo, após as eleições de 2014, a figura de Eduardo Cunha (então PMDB) disputou as alianças de seu próprio partido com o Executivo. Romperam-se ali as bases de um sistema partidário que funcionava desde a década de 1990: alternância PT e PSDB, com o então PMDB como forte aliado nas coalizões que viabilizavam a agenda política do Executivo. 

O rompimento a que me refiro é o predomínio do PSDB, PT e PMDB como legendas, que nós, na ciência política, chamamos de “partidos fortes”. Para uma explicação simplificada, atribuímos a adjetivação de força dos partidos quando eles conseguem eleger candidatos nos municípios, estados, e na instância federal. Agem de maneira “disciplinada”, ou seja, tendem a votar no Legislativo de acordo com a orientação do líder do partido. Nesses espaços, a formação da coalizão é necessária para formar maioria de votos no Legislativo.

Em 2018, PSDB, MDB e PT diminuíram suas bancadas. O PSDB saiu de 54 deputados eleitos em 2014 para 29 em 2018; o MDB, de 66 para 34; o PT, de 69 para 56. O PSL, então partido do presidente Jair Bolsonaro, cresceu de um para 52 deputados. 

Aqui, me apoio nos cientistas políticos Fabiano Santos e Thalita Tanscheit.  Eles indicaram, em pesquisa sobre as eleições de 2018, que o impacto da distribuição dos parlamentares gerou um fracionamento de forças que substituiu as principais maiorias parlamentares.

O que isso significa no jogo do Legislativo? Mudou a relação de forças e distribuiu os parlamentares por diferentes partidos. Para encaminhar suas pautas, precisam negociar os possíveis consensos. Com bancadas de diferentes partidos, o processo de negociação torna-se individual. 

É nesse espaço de “vacância” de maiorias que cresce o chamado “Centrão”. Os políticos que aderem à prática possuem uma grande capacidade de articulação com parlamentares de diferentes partidos. Por isso, para eles é mais fácil construir articulações difusas quando o Executivo não possui uma base parlamentar de maioria. 

Governabilidade de olho em 2022

Então, a fala de Bolsonaro sobre ser do “Centrão” tem significados bem objetivos – além de históricos – que o próprio presidente assumiu em entrevista à rádio de Curitiba, divulgada pela Folha de São de Paulo, em 24 de julho: “São pouco mais de 200 pessoas. Se você afastar esses partidos de centro, sobram 300 votos para mim. Se você afastar cento e poucos parlamentares de esquerda, PT, PC do B e PSOL, eu vou governar com um quinto da Câmara?”, disse.

Ao assumir aproximação com o “Centrão”, as possíveis estratégias foram disparadas nos meios de comunicação. Bolsonaro se aproximou do PP ao indicar Ciro Nogueira para ministro da Casa Civil. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), assim, não aceitaria os pedidos de impeachment sob análise. Os aliados esperam que Nogueira consiga se articular com o Congresso Nacional e, assim, diminua os conflitos contra Bolsonaro. 

Outra estratégia é direcionada para as eleições de 2022. Jair Bolsonaro continua sem partido. Há quem veja a possibilidade de que ele se filie ao PP para concorrer às eleições. Se pensarmos nesse cenário, o partido, ao se vincular a apoiadores do presidente, tem a possibilidade de reforçar as lideranças regionais e, portanto, fortalecer a competitividade eleitoral nos estados.

É um modo de garantir permeabilidade à agenda da direita que, no caso, estaria aliando uma direita moderada, voltada para uma agenda econômica liberal, e a agenda da direita radical de conservadorismo moral de Bolsonaro.

Compreender a dinâmica do jogo de posições é observar os incentivos institucionais que são utilizados como estratégias de ação. Ou seja, como as regras são mobilizadas e transformadas em ganhos. A rejeição ao sistema político e partidário se torna uma armadilha porque reforça justamente o que se acredita ser o problema: as práticas de uma “velha política”. 

Paula Vieira

Doutora em Sociologia e professora da Unichristus. Integrante do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM). Pesquisa sobre instituições políticas brasileiras com ênfase na dinâmica do Legislativo.