A picanha do futuro
Ressurreição de Lula desembaçou um pouco nossas mentes turvadas pela onipresença da morte
Marcos Nogueira
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Lá no fundo, todos sabemos que o que nos aguarda é um buraco escuro e, derradeira carícia, o toque das larvas a devorar nosso defunto. Isso incomoda, desespera, fere, insulta a presunção humana.
A noção de futuro nos move como o néctar atrai as abelhas autômatas. Para seguir adiante, criamos mentalmente futuros que sobrepassam a morte –em visões paradisíacas ou infernais. No quadro menor, trabalhamos com expectativas de uma vida melhor num prazo aceitavelmente longo.
Tem sido assim desde sempre. De vez em quando, um surto coletivo nos leva a aceitar antecipadamente a morte, renunciando a qualquer ambição de futuro. É o que acontece agora no Brasil.
É morte hoje, morte amanhã, morte aqui, morte ali, em todo lugar. A onipresença da morte turvou nossas mentes.
As trevas em que imergimos parecem um problema insolúvel. Melhor não fazer planos. Vivemos como se não houvesse amanhã –pois talvez não haja–, mas isso não significa excessos inconsequentes. Apenas acatamos bovinamente o lento avanço da fila no abatedouro. Alguns mugem mais alto, se queixam, mas não retrocedem. Gado somos todos nós.
Vivemos uma situação em que as tragédias da saúde e da política se misturam. Sem resolver uma, impossível dar conta da outra. E vamos patinando em ambas, deslizando rumo ao precipício. Nesse caso, a abnegação dói menos do que o desespero.
Eis que o ressurgimento de Lula desembaçou um pouco nossas mentes.
Seu discurso conclamou à sensatez, à união, à ação, à luta contra as trevas. Não é preciso gostar de Lula para admitir que o chamado fez efeito. De repente, é possível de novo ver um futuro adiante. Uma nesguinha ridícula de esperança no céu de chumbo.
Falando do passado, ele disse ter saudade de quando o povo comia picanha e tomava cerveja.
Picanha. Taí uma saudade que me dói.
Agora, pelo menos, eu consigo sonhar com a picanha do futuro.
Marcos Nogueira é jornalista especializado em gastronomia. Pode ser encontrado no Cozinha Bruta, no Twitter e no Instagram.