“A toda ação, uma reação”: a mudança do clima e as projeções catastróficas para este século
Alteração dos extremos de temperatura, aumento do nível do mar, redução da velocidade média dos ventos, redução das geleiras, tempestades de gelo, tempestades de poeira, nevascas, avalanches, enchentes, ciclones, ondas de calor, secas severas, alteração do fluxo dos rios, aumento de doenças e problemas de saúde relacionados às mudanças climáticas são algumas das previsões catastróficas para este século divulgadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 9 de agosto, no sexto relatório de análise sobre mudanças climáticas.
O Relatório do IPCC é um documento gigantesco, com milhares de páginas, que envolve a participação de cientistas de todo o mundo, trazendo informações textuais e gráficas robustas sobre as mudanças climáticas. É uma obra que reúne todo o conhecimento científico do mundo sobre o tema, e, portanto, difícil de refutar. Nele, os pesquisadores apresentam um cenário crítico: que estamos próximos a um ponto sem retorno e que as consequências disso serão severas para os seres humanos e o planeta.
Desde 1990, quando recém-criado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o IPCC vem alertando para as alterações climáticas em virtude dos altos níveis de poluição provocados pelas ações humanas. De lá para cá, o nível de poluição só aumentou, o que nos leva a crer que o alerta não foi percebido de forma satisfatória. Lamentavelmente, continuamos a crescer e poluir de forma descontrolada em busca de “bem-estar” particular e ganhos financeiros.
Os cientistas não têm mais dúvidas: as atividades humanas aqueceram o planeta! Alguns dos impactos decorrentes dessas atividades estão se concretizando de forma mais rápida do que foi previsto em análises anteriores e afetando todas as áreas do globo. No entanto, embora algumas dessas mudanças já possam ser caracterizadas como irreversíveis, como o derretimento das geleiras e o aumento do nível do mar, para algumas ainda há reversão. Para isso, porém, exige-se um compromisso global que não vem sendo sinalizado de forma eficiente pelos maiores emissores de gases de efeito estufa. Sem esse compromisso, ultrapassaremos a marca de 2°C de aumento de temperatura até o final deste século.
O relatório ainda traz uma previsão aterradora: alcançaremos a marca de 1,5°C ainda que sigamos o caminho mais ambicioso na redução de emissões, ou seja: emissões zero. A questão é se conseguiremos manter a ambição até 2050 para dessa forma conseguirmos reverter parte desse aumento até o final do século. Ainda assim, esse é um cenário sem precedentes, uma vez que temperaturas nessas condições só existiram no planeta há milhares de anos.
A grande preocupação é que, quando refletimos as ambições apresentadas pelos países signatários do Acordo de Paris, por meio de seus compromissos voluntários para Redução de Gases de Efeito Estufa (NDC, do inglês Nationally Determined Contribution), o cenário previsto é de que as emissões de CO2 continuarão a subir, estabilizando-se apenas por volta de 2050, e somente então iniciarão uma queda mais acentuada. O mesmo ocorrerá com outros gases de efeito estufa, como o metano e o óxido nitroso, originados de atividades industriais e agrícolas.
O relatório conclui que as concentrações de metano e óxido nitroso são as mais altas dos últimos 800 mil anos e que, portanto, restrições rigorosas dessas emissões são vitais para frear o aquecimento global. Dessa forma, considerando os compromissos já assumidos pelos diversos países signatários, o melhor dos cenários seria um aumento de 2,7ºC até 2100. Portanto, o que estamos fazendo hoje está distante de ser suficiente.
O Brasil no relatório do IPCC
Analisando os dados sob a ótica regional, no Brasil, a região central e parte da Amazônia se tornarão mais secas, sofrendo (ainda mais, no caso da região central) com a escassez de chuvas. Já na região sul, os eventos de chuvas fortes se intensificarão, aumentando a ocorrência de inundações. A região Nordeste, por sua vez, se tornará mais seca, com o aumento da escassez de chuvas. Esses eventos impactarão sobremaneira setores como agricultura, turismo, energia, transporte e infraestrutura.
Mas o Brasil parece continuar a ignorar as ações que estão sendo praticadas hoje que nos conduzirão mais rapidamente a esse cenário catastrófico. Essa semana, o sistema de alerta do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) sinalizou novo recorde para o desmatamento da floresta amazônica. Segundo o Instituto, o desmatamento acumulado dos últimos 12 meses já é o maior desde 2012, sendo equivalente a nove vezes a cidade do Rio de Janeiro: 14% desse total correspondem a Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
No Cerrado, os dados também são alarmantes. No último ano, houve um aumento de 24% de desmatamento em relação ao ano anterior nesse bioma. Estamos simplesmente comprometendo irreversivelmente os nossos estoques de água em meio a uma grave crise energética em decorrência da escassez de chuvas.
Sabe-se ainda que o desmatamento em larga escala leva ao aumento das emissões de gás carbônico para a atmosfera, o que contribui com o aumento da temperatura e com a alteração do ciclo de chuvas, colocando em risco diversas espécies animais e vegetais e comprometendo também a produção de alimentos.
Desse modo, o caminho para que o Brasil possa dar a sua efetiva contribuição na tentativa de minimização dos impactos advindos das mudanças climáticas é um só: frear o desmatamento! Se frearmos o desmatamento, abriremos diversas oportunidades para um crescimento alicerçado em atividades menos impactantes, incentivando desde uma prática de agricultura mais sustentável à redução da dependência da nossa matriz energética das hidrelétricas, além de uma melhor gestão de resíduos.
O desmatamento e a destruição de biomas devem ser temas de especial atenção para o governo brasileiro. Após a recente sinalização da União Europeia para a “taxação de carbono”, por meio da implementação de um “mecanismo de ajuste de carbono na fronteira”, as exigências para a importação de produtos agrícolas para empresas localizadas em países onde a fiscalização é “menos rígida” serão cada vez mais rigorosas. Dessa forma, o Brasil, como grande exportador agrícola, deveria sinalizar uma agenda climática cada vez mais ambiciosa e fortemente pautada na sua implementação.
Não existem mais dúvidas de que a responsabilidade pelo aquecimento global é do ser humano. Diferentemente do relatório anterior do IPCC, que mencionava ser “muito provável” que as mudanças no clima fossem ocasionadas pelo homem, esse último relatório traz a constatação “inequívoca” de que somos os causadores. Portanto, não se trata de uma opinião, trata-se de uma constatação científica comprovada por meio da análise de milhares de estudos publicados. A mensagem é uma só: “mudar agora e se preparar para o impacto”.