Bemdito

Bonds sustentáveis: mais um modismo do mercado financeiro?

O que são títulos verdes e como seu manejo inteligente pode favorecer o desenvolvimento sustentável
POR Carolina Cordeiro
Foto: Comissão Europeia

Green bondsSocial bondsSustainability-linked bonds, impossível acompanhar a quantidade de informações gerada diariamente sobre os mais novos queridinhos do mercado de títulos. Mas, se compreender os títulos convencionais já é um grande desafio para os que estão à margem desse mercado, entender o que são os títulos verdes, para que servem e como emiti-los são mais alguns desafios, especialmente para empresas e instituições que buscam financiamento para projetos sustentáveis.

Compreender o mundo dos títulos verdes está longe de ser trivial. Cada vez mais recursos vêm sendo captados para financiar projetos com benefícios ambientais e sociais. Os números impressionam! Segundo levantamento da Sitawi, no primeiro semestre de 2021 foram captados cerca de R$ 55 bilhões por meio da emissão desses títulos no Brasil. Já no mercado internacional esse número ultrapassa US$ 1 trilhão ao ano. 

 Para compreendermos o que são os títulos que levam esse “selo verde”, precisamos entender primeiro o que são os títulos. Títulos são papéis que são emitidos com o objetivo de arrecadar recursos. Ou seja, é um papel que representa a dívida da entidade emissora que se compromete a devolver o dinheiro para o investidor, com juros. Ou seja, comprando um título você empresta dinheiro a juros à entidade que o emitiu. 

 A diferença desses títulos da dívida convencionais para os títulos que levam esse “selo verde” é que estes, em geral, são carimbados! Os recursos captados por meio da emissão destes títulos devem ser destinados exclusivamente para o financiamento de atividades econômicas sustentáveis de acordo com a sua categoria. Por exemplo, os green bonds devem ser destinados exclusivamente a atividades com benefícios ambientais, os social bonds às atividades com benefícios sociais, os sustainable bonds às atividades com benefícios ambientais e sociais e, por fim, o mais jovem dos títulos dessa categoria, os sustainability-linked bonds, utilizado para alavancar metas ESG (Environmental, Social and Governancy ou ASG, em português, Ambiental, Social e Governança), de empresas.

 Esses títulos têm gerado interesse crescente do setor público e privado por causa dos seus supostos benefícios associados à reputação por meio do marketing positivo, possibilidade de obtenção de melhores prazos para pagamentos, aumento do impacto socioambiental, ampliação da base de investidores e melhoria dos indicadores ESG que, para empresas que são listadas na bolsa de valores, são de grande importância para a alavancagem de suas ações, atraindo mais investidores. 

No entanto, emitir um título sustentável não é tarefa fácil. A entidade interessada na emissão precisa primeiro definir um projeto de investimento que esteja alinhado com as regras do título que deseja emitir. O projeto precisa contemplar, no mínimo, a finalidade do investimento, o seu impacto, se social e/ou ambiental, e como esse impacto será medido. Após a finalização da etapa de elaboração do projeto, a entidade interessada deverá custear a second opinion. Trata-se de uma auditoria do projeto proposto por entidades que oferecem esse serviço para que a validade do projeto seja atestada. Caso o projeto seja aprovado pela second opinion, os títulos são emitidos. Dessa forma, os investidores podem comprá-los e negociá-los no mercado financeiro.

É exatamente na definição do projeto e dos critérios de mensuração que os títulos da carteira ESG podem ser usados para a prática de greenwashing. A emissão dos títulos ocorre com base na avaliação do projeto. O projeto apresentado deve atender os critérios do título pleiteado, ou seja, o projeto de geração de energia renovável de uma empresa gera um benefício ambiental porque contribui para a redução da emissão dos gases de efeito estufa, então, certamente ele será aprovado. Contudo, a mesma empresa que emitiu os títulos sustentáveis com base no projeto de geração de energia renovável faz uso de fontes extremamente poluentes para a geração de energia, como, por exemplo, uma termelétrica. Independente disso, a empresa emite o título e o utiliza para se posicionar no mercado como uma “empresa verde”, emissora de títulos sustentáveis e que possui a “sustentabilidade em seu DNA”. 

A Fundação Mafre – fundação espanhola que trabalha com saúde e bem-estar social, em texto assinado por Joaquín Garralda, professor da Universidade IE de Madrid, veiculado em seu site, trouxe recentemente uma discussão sobre esse tema, a vinculação de emissão de títulos verdes às práticas de greenwashing. O texto traz importantes argumentos que defendem a inclusão de critérios globais para as empresas emissoras desses títulos para que de alguma forma os impactos ambientais globais da empresa sejam explicitados e considerados na avaliação. Dessa forma, seria definido um prêmio, o chamado greenium, sobre as vantagens associadas à emissão dos títulos sustentáveis, tais como incrementos de benefícios nas condições de juros e prazos para pagamento da dívida. Esse critério estimularia a competitividade e certamente a adoção de ações sustentáveis mais consistentes para a redução dos impactos associados às atividades de seus negócios.

A prática de greenwashing associada à emissão de títulos sustentáveis preocupa o mercado. Como a busca por esses títulos vem aumentando de forma bastante rápida, essa prática pode comprometer a longevidade do mercado de títulos sustentáveisA ausência de uma metodologia para a realização das auditorias externas de validação são os principais causadores dessa insegurança. Dessa forma, buscando minimizar esses riscos, diversos países, incluindo o Brasil, já vem trabalhando na definição de critérios padronizados para a homologação dos negócios sustentáveis.  

 Investir em títulos sustentáveis pode ser uma alternativa para apoiar o desenvolvimento sustentável e direcionar os recursos para ações que contribuam realmente com a mitigação de impactos socioambientais. Se bem aplicado, esses recursos podem ajudar a suprir lacunas de investimentos em melhoria da infraestrutura de saneamento básico, energia renovável, construções sustentáveis, transporte público, redução da geração de resíduos, preservação das florestas, agricultura sustentável e inovação. No entanto, é importante garantir que esses recursos disponíveis cheguem de fato a projetos com esses compromissos, e não se tornem mais um modismo do mercado financeiro ou mesmo uma forma maliciosa de disfarçar mais acumulação de dividendos e capitais sob uma imagem de preocupações sociais e ambientais.

Carolina Cordeiro

Bióloga e gestora ambiental de projetos de energias renováveis, é mestre em Gestão Ambiental pela Universidade de Cantábria, Espanha, e especializada em Engenharia Ambiental.