Bemdito

Diversidade: para ser plural tem de ser de verdade

A jornada começa com um compromisso real das empresas na busca por transformação
POR Carolina Cordeiro
Diversity (Chew)

“O seu marido não liga de você viajar a trabalho?”, “Deve estar de TPM”, “Ele(a) é um(a) mulato(a) bonito(a)”, “Ela foi muito macho”, “Não tenho preconceito, tenho até amigos gays”, “Você bebe uísque!?” (para uma mulher, num happy hour com amigos do trabalho). Essas são algumas frases muito comuns no vocabulário do brasileiro. Ainda que muitas dessas frases tenham vieses não intencionais, embora sempre estruturais, elas impactam fortemente a promoção da diversidade e inclusão nas empresas e, por isso, devem ser combatidas.

Após críticas e demandas de vários movimentos e grupos sociais, de 2020 para cá vimos um movimento crescente das empresas em assumir compromissos com a melhoria dos indicadores de diversidade no ambiente de trabalho. Assistimos à Magazine Luiza lançar um programa de trainee exclusivo para negros, a Vale anunciar a abertura de 170 vagas exclusivamente para mulheres e pessoas com deficiência (PCDs) e, mais recentemente, a jogadora Marta (mulher, negra e homossexual) tornar-se líder global de diversidade e inclusão da Latam.

Vimos ainda alguns avanços importantes de países como a Argentina, que, recentemente, reconheceu o cuidado materno como trabalho com direito à aposentadoria, por meio do Programa Integral de Reconhecimento de Tempo de Serviço por Tarefas Assistenciais, que busca reparar a desigualdade estrutural entre homens e mulheres naquele país.

Mas muitas empresas ainda falam em diversidade e, no entanto, não apresentam estrutura nem objetivos ou ações sobre o tema. É o que mostra uma pesquisa recente da empresa EXEC, especializada em seleção e desenvolvimento de profissionais em nível de gestão, realizada com 220 profissionais de liderança. A pesquisa mostra que, embora 83,5% dos respondentes digam que o assunto é familiar no ambiente corporativo, quando se pergunta se o assunto diversidade e inclusão está na agenda do conselho de administração, apenas 5,5% disseram existir efetivamente no plano estratégico a estruturação dessa pauta.

Por que, então, promover a diversidade e inclusão nas empresas é tão importante?

Para refletirmos sobre essa pergunta, é importante jogarmos luz em alguns indicadores sobre a população brasileira: 56% de pessoas se declaram negras, 51,5% são mulheres e 7,5% são pessoas LGBTQIA+ declaradas. Contudo, essas populações estão sub-representadas nas empresas, em especial, quando falamos em cargos de liderança. Apesar de mais anos de estudo e com salários menores que os dos homens, as mulheres ocupam cerca de 38% dos cargos de liderança, os negros, 4,7% e, quanto à população LGBTQIA+, não existem dados confiáveis, uma vez que a maioria dos profissionais brasileiros esconde suas identidades de gênero e orientação sexual no trabalho.

A diversidade nas empresas, além de promover a busca por equidade, respeito e valorização das características individuais de cada pessoa, caracteriza-se por um grande diferencial competitivo, porque promove uma série de pontos de vista diferentes, beneficiando a construção de soluções inovadoras e formando ainda um repertório mais abrangente, plural e preparado para lidar com os diferentes desafios do mercado. Melhora ainda a imagem e reputação da empresa frente a um mercado cada vez mais exigente e atento aos compromissos das empresas com temas diversos ao do lucro, reduz as taxas de rotatividade de pessoas, promove uma comunicação mais eficaz e um ambiente de trabalho mais agradável e saudável.

Promover a diversidade não se trata simplesmente de contratar mais mulheres, negros, LGBTQIA+, PCDs ou pessoas com mais idade. Trata-se de criar alicerces para a promoção de uma cultura inclusiva por meio de discussões sobre o tema com os funcionários, buscando romper com paradigmas que reforçam o preconceito e a marginalização dessas pessoas. Além disso, também se trata de trabalhar de forma direcionada com a liderança, que tem um papel importante para dar eco à mudança de cultura. E ainda de investir numa política específica e em um código de conduta e ética que aborde o tema, estabelecendo conexões com o valor da empresa e métricas para monitoramento do avanço. Incentivar os feedbacks e as sugestões de melhorias, a comunicação entre colegas e o trabalho em equipe, também são ações fundamentais para essa mudança.

Pandemia, diversidade e disparidades

A pandemia, ao mesmo tempo que fortaleceu o tema da diversidade, trouxe um nível de impacto desproporcional aos grupos mais desfavorecidos. Ela elevou disparidades e evidenciou diversos problemas que ocorrem em grupos ditos minoritários que estavam obscurecidos. Sabe-se que as mulheres, os negros e a população LGBTQIA+ estão entre os grupos mais afetados.

Dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE mostram que seis em cada 10 desempregados que integram a comunidade LGBTQIA+ já estão sem trabalho há um ano ou mais. Essa parcela quase dobrou em relação à pesquisa realizada em 2020. Já para as mulheres, o retrocesso nos levou a índices mais baixos que os da década de 90 em relação ao nível de participação das mulheres no mercado de trabalho, principalmente porque as atividades do chamado cuidado assistencial, como o trabalho doméstico e o cuidado com crianças e idosos, ainda não têm de fato um reconhecimento como prática laboral e, na maioria dos casos, ocorre informalmente, sendo exercido, sobretudo, por mulheres.

O isolamento social e o fechamento das escolas foram as medidas que mais impactaram na perda de empregos femininos. Já os indicadores para a ocupação de negros caíram de 55% para 46% em 2020, mostrando um relevante aumento do desemprego para esse grupo, superior ao dos não negros, que ficou em 51%. Ressalta-se que esses dados não contabilizam aqueles trabalhadores informais, que em sua maioria são negros e que foram fortemente impactados com as medidas de restrição impostas pela pandemia.

Diante de um cenário pós-pandemia, com implicações sociais e econômicas relevantes e de longo alcance, os temas da diversidade e a da inclusão podem parecer menos importantes que outras questões aparentemente mais urgentes relacionadas às mudanças na sociedade e no mercado de trabalho.

Contudo, é evidente a importância da transformação das empresas para a adoção de comportamentos mais humanizados, que colocam as pessoas em primeiro lugar, considerando os desafios que envolvem a busca de uma nova forma de trabalho focada nas relações interpessoais de respeito mútuo, na redução das desigualdades de gênero, raça, idade e orientação sexual.

É fundamental que a promoção da diversidade e da inclusão seja um compromisso real das empresas na busca de uma transformação e adaptação para um futuro mais inclusivo e equânime, afastando-se cada vez mais da mera estratégia publicitária.

Carolina Cordeiro

Bióloga e gestora ambiental de projetos de energias renováveis, é mestre em Gestão Ambiental pela Universidade de Cantábria, Espanha, e especializada em Engenharia Ambiental.