Bemdito

Tempo de dúvida no mercado de trabalho

No trabalho, antes a dúvida que a dívida; mas o que iremos fazer para continuar com os milagres virtuais operados?
POR Cláudio Sena

Não me considero bom em previsões, sobretudo na ausência de fundamentação e dados críveis, porém, numa eu creio que tenha acertado: mesmo sem ter emprego para todos, vamos trabalhar mais. Ok, meio óbvio talvez. De qualquer modo, permita me vangloriar por ter acertado o cenário que, justamente neste momento, quando vislumbramos uma melhoria na situação da pandemia, isso iria ocorrer, sobretudo pela soma do trabalho no ambiente virtual e fora dele. 

Fomos tomados pelo desespero quando acometidos pela pandemia. Inclusive nos aspectos que tangem a manutenção dos nossos empregos ou nas maneiras de subsistência e, para muitos, de sobrevivência. A maioria dos serviços, tendo a força do braço e a potência da garganta como principal meio de propaganda, encontrou na Internet meios de continuidade. Pelo perrengue ou pela adaptação, mas também pela profissionalização das tecnologias de informação da comunicação. 

Basta ligar a televisão e assistir à matéria do telejornal, correr a página do site de negócios, lá estão eles e elas: vendedores de tapioca, confeccionadoras de bonecos de crochê, professores de yoga, psicólogos, professores, todos e todas vendendo seu tempo para produção e divulgação de conteúdo, além, é claro, de estar prestando serviços. E vale tudo para manter a chama acesa no relacionamento com consumidor.

Os grandes também encontraram seus caminhos, talvez por métodos mais sistemáticos e planejados, porém, geralmente, com altos investimentos financeiros. Empresas de 100, 1000 funcionários, literalmente, do dia para noite, mandando a equipe para casa e sendo obrigadas a funcionar de um jeito ou de outro. Isso, as que podiam tomar tal atitude. Desafio para duplicar a dose de ansiolítico de qualquer gestor de departamento menos acostumado às intempéries. O fato é que, ao seu modo, cada um fez seus sacrifícios. Alguns também não resistiram. Infelizmente. 

No quadro atual, onde as mãos de muitos trabalhadores passam a ocupar o balcão da loja, mas também o mouse do computador ou o telefone celular, vivemos um período de transição. Alguns decidiram que “chega de pandemia”. Outros assistem pasmos a esta decisão. 

Em parte, voltamos aos postos de trabalho com um pé e deixamos o outro em casa, ainda conectado ao ofício diário. Foi natural correr para as redes sociais e plataformas no objetivo de manter empregos e clientes, um processo totalmente compreensível diante do risco maior. Mas agora, o que fazer? Como a internet não fecha de 19h às 8h, nos resta repensar nossa relação com o nosso ganha-pão, para que não sejamos também agraciados com jornadas triplas de trabalho como brinde. 

O que iremos fazer para continuar com os milagres virtuais operados? Os empreendedores de ocasião irão pelejar para alimentar suas contas de Instagram e, ao mesmo tempo, atender na esquina do bairro? Os grandes farão o quê com seus empregados flexíveis à força e com os clientes que não se decidiram entre a presença física ou a virtualidade? Para turvar o cenário já nebuloso, cada indivíduo tem suas complexidades e preferências, sem contar o espaço físico variando entre sofisticados home offices e a mesa da cozinha do miúdo apartamento em obra.

Desse jeito, neste momento, o trabalhador não sabe se parcela a cadeira gamer, se investe no microfone e na câmera, se torce para voltar ao escritório de máscara. Os clientes, aqueles mais impacientes, não estão preocupados, e querem ser bem atendidos. Os grandes aguardam para mover suas engrenagens de modo estratégico. Desculpa me gabar novamente, mas, como já disse, eu sabia que isso ia acontecer.

Cláudio Sena

Doutor em sociologia, professor, pesquisador e publicitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto.