Bemdito

Tempos estranhos. Até quando?

Morador de rua subcelebridade, deboche da tortura. Pesquisa ajuda a entender um pouco o tamanho real dos grupos das redes sociais
POR Yanna Guimarães

Estamos vivendo tempos muito estranhos nesse Brasil. Um morador de rua vira celebridade após ter relação sexual com uma mulher em surto psicótico. Um político (e filho do presidente) faz deboche da tortura vivida por uma jornalista que estava grávida na época da ditadura. E o pior, ainda é aplaudido por muitos. Esses dois casos são apenas os mais recentes. Os últimos anos têm sido de notícias tão absurdas que a gente termina esquecendo rápido das que acabaram de passar. 

Uma das piores sensações é acompanhar os comentários desse tipo de notícia nas redes sociais. É sentir de perto as pessoas que pensam assim, que podem estar na fila do supermercado, na academia que você frequenta ou até mesmo ter sido seu colega de sala na escola. Mas uma pesquisa divulgada pela Universidade de Buffalo, nos Estados Unidos, e publicada no Journal of Computer-Mediated Communication, ajuda a entender um pouco o tamanho real dos grupos das redes sociais. 

Quando expressas nas mídias sociais, as visões coletivas sobre um assunto são muito diferentes das conclusões determinadas por meio de pesquisas de opinião pública. O estudo desenvolveu uma estrutura para medir o conceito escorregadio de opinião pública de mídia social: a “murmuração”, que identifica grupos significativos de atores de mídia social com base na relação “quem segue quem”.

Os atores atraem seguidores com ideias semelhantes para formar “rebanhos”, que servem como unidades de análise. À medida que as opiniões se formam e mudam em resposta a eventos externos, o desdobramento das opiniões dos grupos se move como o movimento de bandos de pássaros

Foram avaliadas mais de 193 mil contas do Twitter, que seguiam mais de 1,3 milhão de outras contas. Os dados sugerem que a adesão ao rebanho pode prever opiniões e que a estrutura de murmuração revela padrões distintos de intensidade de opinião. A pesquisadora Yini Zhang explica que esses bandos são segmentos da população, definidos não por variáveis demográficas de relevância questionável (como serem mulheres brancas de 18 a 29 anos, por exemplo), mas por suas conexões online e suas respostas a eventos.

Zhang salienta que é importante não confundir a opinião pública, medida por métodos de pesquisa baseados em entrevistas e questionários, e a opinião pública de mídia social. “Primeiro, nem todo mundo usa a mídia social. Segundo, entre quem usa, apenas um subconjunto realmente expressa opiniões. Eles tendem a ser fortemente opinativos”. 

Desta forma, a murmuração oferece fundamentos que podem complementar as informações coletadas por meio das pesquisas de opinião tradicionais. E ela se concentra no aspecto dinâmico da mídia social. Isso porque quando a informação é removida de seu contexto, torna-se difícil determinar com precisão as questões que levaram àquela discussão, quando começou e como evoluiu.

As redes sociais são nossa bolha. Seguimos quem diz o que queremos ouvir e bloqueamos o que não queremos escutar ou ver. Por isso o papel da imprensa é tão importante. E por isso também o resultado das eleições que vêm aí às vezes dá tanto medo. Precisamos lembrar que a vida é muito mais do que vemos nas redes sociais. Ainda podemos sair às ruas pelo que a gente acredita, pelo que queremos mudar. O futuro há de ser melhor.

Yanna Guimarães

Jornalista e mestre em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova de Lisboa.