Bemdito

Para manter a sanidade em tempos bolsonaristas

Desligue um pouco as redes sociais e vá ler um livro ou veja uma ficção televisiva
POR Xico Sá

O desafio, o grande épico, é manter a sanidade. Até voltar a respirar de novo. Nada fácil. Como segurar a mente quieta ao saber, por exemplo, que tem propina até nas negociatas de compra de vacina no governo Bolsonaro? Por um dólar furado, diria Giuliano Gemma — ator do western spaguetti italiano —, perde-se mais uma vida para a Covid-19. Até a mais zen das criaturas, deitada em uma rede no sopé da chapada do Araripe, desmantela o juízo. “Calma violência, violência calma”, apelo à canção atualíssima de Fagner e Fausto Nilo.

O noticiário não ajuda: a luz vai subir de novo. Só resta adotar a linha de alguns jornais que enxergam romantismo em tudo: aproveita para economizar com um jantar à luz de velas. Depois, aposte em um belo banho frio, é bom pra pele. É seguir a mesma cartilha do  Bolsoguedes. Recomenda-se fogão à lenha para substituir o botijão de gás e pé de frango no lugar do churrasco — sim, lembre que essa parte nobre da anatomia galinácea é fonte riquíssima de colágeno.

Manter a sanidade é preciso. Desligue um pouco as redes sociais e veja uma moderna ficção televisiva. Só Cassandra salva. Ela vai  com a agulha da vitrola direto na ferida: “Fui eu quem se fechou no muro/ E se guardou lá fora/ Fui eu quem num esforço/ Se guardou na indiferença”, canta Vanusa, em uma quitinete ainda caótica, no centrão de SP. 

Cassandra é a travesti representada pela cantora e atriz Liniker na série Manhãs de Setembro, disponível na Amazon Prime Vídeo. Mais bonito ainda é quando a própria motogirl Cassandra interpreta “Paralelas”, de Belchior, possuída pelo espírito vanusiano na vida noturna. O filho Gersinho (o ator Gustavo Coelho) delira, passado e comovido, com a performance paterna. Camila Holanda escreveu neste Bemdito um ótimo artigo sobre o assunto. Recomendo.

A gente se vira e a ficção, por mais que baseada em fatos reais, é um belo empurrão, jamais autoajuda. Tem o novo livro do baiano Itamar Vieira Junior, Doramar ou a Odisseia (Todavia), para você que leu ou não o badaladíssimo (com lastro e merecimento) Torto Arado. Tem fartura de excelentes ficções na praça. Digamos que você, invocado ou invocadíssima, só queira ler apenas autores cearenses de primeira qualidade. Temos. Pegue, de cara, Os tais caquinhos (Companhia das Letras), de Natércia Pontes. Adentre o apartamento 402, cenário do romance, e sinta aquele torpor fortalezense com jeitão de anos 1990, incluindo as muriçocas. Abigail, Berta e Lúcio lhe esperam.