Bemdito

Sem vacina, sem Cariri, sem festa junina

Só resta ouvir "Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto Na Viagem" para aliviar a agonia da hora
POR Xico Sá
Foto: Marina Guimarães/Flickr

Só resta ouvir “Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto Na Viagem” para aliviar a agonia da hora

“Olha pro céu, meu amor/ vê como ele está lindo/ olha praquele balão multicor/ como no céu vai sumindo”. A essa altura do calendário, deveria estar preocupado, sobretudo, com a festa de Santo Antonio (de Barbalha, lógico!) e outros fuás juninos de Juazeiro, Crato, Santana e Nova Olinda — para ciscar na minha geografia afetiva da Chapada do Araripe. Quem dera. 

O mês das fogueiras chegou e, ainda trancado em São Paulo, só me resta conferir a tabela da vacina. Tenho mais um mês de espera, ainda pisando nas brasas do medo e da eterna desconfiança metafísica de um matuto. Só me resta ao mundo blasfemar, aqui em cima de um murundu do Sudeste, contra o infame que atrasa a imunização e dá corda ao vírus como em um carretel de cacimba. 

Só me resta seguir o eco, qual um aboio ou um bendito, do coro descontente que foi às ruas — mesmo sob risco —, quando a “precisão” histórica rogou de joelhos. 

Aqui me apego também aos relâmpagos escritos na quarentena pelo cantor e compositor Ednardo nas suas redes sociais: “Está tudo de cabeça pra baixo, e mais que cabisbaixo, a angústia das incertezas leva a massa humana a se antagonizar em muitos blocos desarmônicos entre si, todos contra todos, e a falta de ética e sabedoria e experiência generalizada no atual ‘modus governandis federalis’ se espraia tanto quanto ou mais que o vírus que assola a humanidade, trazendo o caos, a violência e a morte, onde deveria estar a harmonia e esperança na construção da vida.”

Parede e meia, em pensamento, com o homem de Terral, só me resta soltar na vitrola o Pessoal do Ceará: sim, o disco clássico de 1973, Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto Na Viagem (gravadora Continental). Quem sabe a agonia vai embora, pelo menos por enquanto.  

O pior é que o modus governandis federalis não dá sossego, Ednardo. O projeto é bagunçar o juízo da massa. E a gente se pega a repetir “que absurdo” pelo menos umas dez vezes entre o café e o almoço. Repare essa presepada de trazer a Copa América para nosso terreiro.  Nas próximas horas, tem mais — para enriquecer o capítulo tropical da história universal da infâmia.