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Bolsonaro, Kajuru e o relatório sacana

O presidente que vem sacaneando o Brasil há mais de dois anos tem medo do "relatório sacana" da CPI do Covid
POR Jáder Santana
Fotos: Jefferson Rudy/Agência Senado e Marcos Corrêa/PR

O presidente que vem sacaneando o Brasil há mais de dois anos tem medo do “relatório sacana” da CPI do Covid

Jáder Santana
jaderstn@gmail.com

É tanto acontecendo que já é difícil separar o que é cortina de fumaça e o que é ameaça real. Agora, foi divulgada pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) – aquele que em meados dos anos 2000 naufragou no SBT um programa ao lado de Adriane Galisteu, Cacá Rosset e Hebe Camargo – a gravação de uma conversa com o presidente Jair Bolsonaro sobre a tão falada CPI da Covid. No bate-papo, Bolsonaro pede que o parlamentar dê seus pulos para conseguir ampliar o escopo das investigações de forma a englobar governadores e prefeitos. Caso isso não seja feito, adverte o presidente, será produzido um “relatório sacana” que pode piorar a já piorada situação de seu governo.  

Kajuru, ele mesmo o divulgador da conversa, não esperava reação tão negativa. Além de pressionar o senador pela ampliação da CPI, Bolsonaro pleiteia que Kajuru ingresse com pedidos de impeachment contra ministros do STF. A gravação deixa pouco espaço para dúvidas. O diálogo, considerado gravíssimo por advogados e políticos de oposição, pode ser enquadrado como crime de responsabilidade. Mais um para a lista que já conta com pelo menos duas dezenas de condutas criminosas de acordo com a Constituição e a Lei dos Crimes de Responsabilidade: quebra de decoro, abuso de poder, subversão da ordem política, incitação de militares, constrangimento de juiz, hostilidade contra nação estrangeira, impessoalidade, censura, atentado contra a segurança do país…

Apesar das lentes grossas que lhe deveriam melhorar a visão, Kajuru não enxergou o problema. Divulgou a conversa e, instaurada a crise, passou a usar seu Twitter, o último reduto dos gritos zangados de parlamentares frustrados, para se justificar. Em maiúsculas – não se sabe se para contornar sua visão comprometida ou para deixar clara sua ira -, escreveu: “ATENÇÃO BRASIL!!! PRESIDENTE BOLSONARO E SENADOR KAJURU TEM UMA CONVERSA CLARA E HONESTA!!! TENHO HISTÓRIA E NÃO ACEITO CPI COVID POLÍTICA E REVANCHISTA! ALESSANDRO, E EU QUEREMOS INVESTIGAR GOVERNADORES E PREFEITOS TAMBEM!!! OUÇAM E COMENTEM SEM PARAR.” 

No meio da tarde de hoje, 12, usou a mesma rede para avisar, também em letras garrafais, que havia apresentado ao Supremo uma petição para “urgente deferimento” do pedido de abertura do processo de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes. No fim de março, quando ao lado do deputado Eduardo Girão (Podemos-CE) entregou o pedido ao presidente do Senado, aproveitou para divulgar que haviam sido reunidas três milhões de assinaturas em apoio ao impeachment do ministro. O texto do documento vinha assinado pelo comentarista de TV Caio Coppolla. 

Hoje mais cedo, eu seu encontro diário com apoiadores, logo após disparar uma boa tosse seca em direção ao cercadinho, Bolsonaro reclamou: “eu fui gravado em uma conversa telefônica, tá certo? Ó a que ponto chegamos no Brasil aqui.” O presidente parecia confortável, exibia uma serenidade risonha que levaria desconfiados à dúvida: quanto desse suposto aborrecimento pelo vazamento é teatro? Em suas redes sociais, Bolsonaro não escreveu uma linha sobre a conversa com Kajuru. A vibração otimista da oposição, que vê nessa tentativa de interferência e na própria CPI um caminho para o enfraquecimento do governo, não veio acompanhada por sinais de revolta da base de apoio bolsonarista. Como seu líder, parecem tranquilos, seguros. 

Os tempos exigem prudência. A verdade é que, neste governo, nada pode ser tomado como definitivo ou potencialmente destrutivo. Esse vazamento não é pior do que dezenas de outros crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente. Se algo aprendemos nesses dois últimos anos foi a enxergar com desconfiança e reduzir as expectativas sobre a disposição – e o desejo – de reação das cabeças de nossos poderes. A saia justa criada por Kajuru pode debilitar o governo. Pode. Difícil, mas pode. Se tivermos que depositar nossa fé em algo, que seja no julgamento sobre a instalação da CPI, antecipado pelo ministro Luiz Fux para a próxima quarta-feira, 14.

Jáder Santana é jornalista e editor do Bemdito. Está no Instragam e Twitter.

Jáder Santana

Editor executivo do Bemdito, é jornalista e trabalhou como repórter e editor de cultura do jornal O Povo, onde também integrou o Núcleo de Reportagens Especiais. É curador da Festa Literária do Ceará e mestrando em Estudos da Tradução pela UFC.