Bemdito

Da sala do terapeuta aos trending tópicos do Twitter

Os números sobre a saúde mental alertam para a urgência do cuidado com o equilíbrio interior
POR Cláudio Sena

Além das alterações climáticas e da desigualdade social, algo mais vem tornando-se cada vez mais perceptível: conversas abertas sobre transtornos mentais e medicamentos para isso. Não era assim. 

Lembro de, há poucos anos, encontrar um amigo escondido atrás da folha aberta de jornal, aguardando atendimento em sala de espera de terapeutas. Hoje pode pegar bem assumir para todos o compromisso com tais especialistas da psique. Virou até uma espécie de dica corriqueira: “você devia fazer terapia”. Ou um conselho com tons de pedido: “você está precisando de um terapeuta”.

Os dados e números comprovam o que nem necessitamos mais desconfiar antes de perceber, sobretudo durante e depois de uma pandemia:

“Venda de antidepressivos cresce 17% durante a pandemia no Brasil” (CNN Brasil, 2021).

“Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país mais ansioso do mundo, desde 2017” (Femipa, 2021).

“Houve um crescimento de quase 14% nas vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor, usados nos casos de transtornos afetivos, como depressão, distimia (neurose depressiva) e transtorno afetivo bipolar. O número de unidades vendidas pulou de 56,3 milhões, em 2019, para 64,1 milhões, em 2020” (Conselho Federal de Farmácia, 2020).

Independente dos dados oficiais, há a conversa informal que corre solta nas redes sociais. Semana passada um colega mencionou o fato de um destes medicamentos estar figurando entre trending topics no Twitter. Entre K-pop, Marvel, times de futebol, Anitta, Guerra na Ucrânia, estava lá o Zolp**** (para não fazer propaganda de remédio, recorro aqui aos famosíssimos asteriscos tão populares na escrita das novas gerações, mas vocês vão entender, tenho certeza).

De certo modo, tal tendência “liberta” milhões de pessoas que viviam angústias silenciosas com receio do preconceito, porém, esta popularização do tema parece normatizar e naturalizar desestabilizações deste mundo conturbado e seus efeitos nas pessoas. 

Tratemos da gente sim, sem discriminações e preconceitos, mas também tratemos do mundo e das condições que nos são impostas para sobreviver em tempos áridos.

Cláudio Sena

Doutor em sociologia, professor, pesquisador e publicitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto.