E eu que só comecei a ver o SUS agora?
Sabia que, até hoje, nenhum país com mais de 100 milhões de habitantes ousou oferecer saúde gratuita para todos os seus habitantes? Nem eu!
Cintia Bailey
cintia.bailey@outlook.com
Há dois anos, senti que precisava de uma mudança na minha carreira. Eu não estava completamente feliz com o meu emprego e temia as manhãs de segunda-feira. Sabe aquela ansiedade que já começa na tarde do domingo?
Eu havia chegado à conclusão de que não poderia passar o resto da minha vida indo de um salário para o outro, não tirando muito prazer de algo que ocupava tanto do meu tempo.
Duas coisas importaram quando decidi deixar meu emprego: queria ainda algo perto da minha casa (eu estava indo de bicicleta para o trabalho) e precisava ser significativo. Eu não queria apenas sentar, trabalhar, ser paga e não sentir que o que eu fazia tinha alguma importância – eu precisava, pelo menos, me importar com o que a organização representava.
Então, vi uma vaga abrir para uma pessoa ingressar no time de Comunicação do meu hospital local. Eles estavam até pagando um pouco menos do que o meu salário na época, mas lembro de ter pensado que não existia, ao meu redor, um emprego melhor do que permanecer na minha área e trabalhar para, possivelmente, a instituição britânica mais respeitada que existe.
É verdade, algumas pessoas terão suas decepções pessoais com o Serviço Nacional de Saúde (National Health Service – NHS): demora nos procedimentos, qualidade do serviço em algumas áreas, etc. Mas, aqui, o que sempre notei é que ninguém toca no NHS. Ele pertence ao povo e ninguém ousa corrompê-lo ou diminuí-lo de qualquer forma.
Mas… de volta à minha história.
Apliquei para a vaga e fui convidada para uma entrevista. No dia, pude ver duas outras pessoas que também estavam lá para serem entrevistadas, como eu, para a mesma vaga. Ambas britânicas. Imediatamente, me senti incapaz e pequena. Uma estrangeira tentando trabalhar na área de comunicação, onde o Inglês claro, falado e escrito é simplesmente um critério essencial? Sério? Acorda, menina!
No entanto, eles me escolheram. Contei imediatamente para minha irmã que, sendo médica no Brasil, tem uma admiração pelo NHS e tudo o que ele representa para o nosso SUS. Eu, boba, só descobri tarde que o SUS foi criado no Brasil com a redemocratização do país e a promulgação da Constituição de 1988, tendo como uma de suas inspirações o NHS. Gente, o SUS é o maior programa de saúde pública do mundo!
Enfim, eu comecei a trabalhar em uma pequena equipe, em um pequeno escritório, nos fundos de uma área de internação cirúrgica, mas com uma vista incrível para a entrada do hospital.
Alguns dias depois, vi um táxi parar lá fora e um homem cair do banco de trás na calçada. Rapidamente, uma equipe clínica saiu correndo do pronto-socorro para dar suporte cardíaco a este senhor, no chão, sob chuva.
Eu soube, naquele momento, que estava trabalhando no lugar certo.
Depois de alguns meses na minha nova posição, a pandemia chegou. Filmei, fotografei e entrevistei colegas durante todo esse tempo e vi, dentro deste hospital, nada além de cuidado, compaixão, devoção à profissão. Fora do hospital, uma manifestação de amor e respeito pelo NHS nunca visto antes.
Você enxerga o SUS? Seus profissionais de saúde têm o cuidado, compaixão e dedicação ao que fazem tanto quanto os daqui – mesmo com todas as faltas. Faltas que o NHS nunca sentiu.
Não tem como não concordar com Drauzio Varella quando ele compara os dois: “A Inglaterra tem dinheiro, uma população altamente educada e um país com 66 milhões de habitantes. Quero ver você dar saúde gratuita a 211 milhões de pessoas em um país tão desigual e pobre como o nosso. Aí quero ver.”
Se você, como eu, não tinha dado conta do SUS até agora, abra os olhos e peça a quem estiver perto de você que faça o mesmo.
Cintia Bailey é jornalista e podcaster. Está no Instagram.