Estamos na casa do “é o jeito”

Como ser o último a tombar quando o mundo se acaba

Mariana Marques
marianamarquesb@gmail.com

Convenhamos: o mundo se acabou. Esqueça (ou não) o livro do apocalipse, segundo o qual o inferno era a casa apenas dos idólatras, dos assassinos, depravados e feiticeiros. Todos nós conhecemos um pouco do inferno nos últimos meses. Solidão, medo, desamparo, desesperança, apatia ou angústia viraram rotina no calendário da felicidade que seu coach lhe vendeu. E se você não passou por nenhuma dessas coisas, meu amigo, procure um psiquiatra. Urgente.

O mundo virou de cabeça pra baixo e, nessa nova posição que fomos obrigados a ficar, teve que aprender de novo a respirar, de novo a trabalhar, a vender e a comprar.

De ponta cabeça, passamos a enxergar, numa tela luminosa, nossa vida acontecer pela Internet. Por causa dela, muita gente conseguiu se reinventar, e isso implica, mesmo aos trancos e barrancos, uma renovação de energia que a gente nem sabia que tinha. Conheço comerciante de sapatos que passou a vender empada, dentista que virou artesã, fotógrafa que quer largar a profissão.

Quem tem o básico (teto, comida, saúde mental mínima) tem, sim, obrigação de manter a roda do mundo pulsando, nem que mude de sentido a qualquer hora. Se esmorecermos, seremos iguais ou piores que quem desdenhou da doença, da capacidade de destruição do vírus. Isso pode custar alto, mas virá com uma recompensa.

Você deve estar se perguntando se essa doida (eu) foi abduzida e voltou pastora. Mas a verdade é que tento repetir isso pra mim, de algum modo. No ato de levantar pra comer, tomar banho, escovar os dentes, trabalhar, cumprir horários, executar um treino que mexa o corpo. Tudo isso parece simples, mas não vejo nenhum remédio melhor para manter a energia de viver, ou melhor, em tempos de guerra: de teimar.

Por teimosia, se sobrevivermos ao vírus, vamos passar por essa.

Mariana Marques é publicitária e artista plástica.