Bemdito

Lula na maré da popularidade

Esforços têm sido feitos para atualizar a imagem de liderança conciliatória e dialógica, com vistas a diminuir resistências e ampliar os apoios
POR Monalisa Soares
Foto: Ricardo Stuckert

A visita de Lula ao Ceará rendeu. Além de pôr em marcha sua estratégia de aproximação política com o governador Camilo Santana, a passagem do ex-presidente garantiu-lhe bons frutos em termos de popularidade e comunicação política. Dois fatos e seus desdobramentos evidenciam tais ganhos.

Inicialmente, temos a fotografia tirada no domingo, na praia de Picos – Icapuí, ao lado da noiva. Publicada no perfil pessoal de Janja, na noite de domingo (22 de agosto), na rede social Twitter, o registro viralizou e ganhou enorme repercussão ao longo da segunda-feira (23 de agosto). A fotografia gerou uma avalanche de análises semióticas, indo desde as percepções de uma suposta encenação de romance libidinoso numa praia paradisíaca em noite de lua cheia até as críticas a um pretenso viés machista e viril em virtude do destaque dado ao corpo de Lula de sunga. Os memes foram um capítulo à parte, uma profusão deles se disseminou rapidamente.

As análises de redes sociais evidenciaram que a fotografia gerou a típica movimentação “falem bem ou mal, mas falem de mim”. Segundo o analista Pedro Barcielo, o engajamento de usuários de perfis opositores em torno da imagem superou os de perfis de apoiadores. E foi além, furou a bolha da politização, mobilizando perfis que consomem conteúdo de humor.

A repercussão da imagem foi tal, que o fotógrafo Ricardo Stuckert usou seu perfil no Instagram para explicar o conceito e a produção técnica da foto. A mídia tradicional também reverberou sobre o preparo físico de Lula, vide a matéria publicada pelo Poder 360, que detalhava sua rotina diária de exercícios. Nesse sentido, Pedro Barcielo chamou atenção para um aspecto relevante da repercussão em torno da fotografia: Lula pautou o debate sem sequer ter se manifestado.

Enquanto as redes estavam em agitação por conta da foto postada por Janja, na segunda, 23 de agosto, Lula seguiu uma intensa agenda de atividades com lideranças políticas diversas. O ex-presidente reuniu-se com representantes do Partidos Socialismo e Liberdade (PSOL) e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), além do senador Tasso Jereissati (PSDB), do ex-senador Eunício Oliveira (MDB) e do senador Cid Gomes (PDT). Os encontros foram registrados através de fotografias e vídeos, postados nas redes sociais de Lula.

Se, de um lado, as conversas permitiram ao ex-presidente mapear o complexo cenário para construção de alianças no Estado, de outro, as fotografias delas derivadas contribuíram para reforçar uma imagem que Lula vem buscando construir, e que já destaquei nesta coluna: a de liderança política que estabelece pontes e abre caminhos para construir e representar uma frente ampla antibolsonarista.

Em se tratando do Ceará, o registro do encontro com o senador Tasso Jereissati teve bastante repercussão, em virtude deste ser um pré-candidato do PSDB. No entanto, a fotografia de Lula em diálogo com Cid Gomes é, sem dúvidas, a mais emblemática, dados os conflitos que permeiam a relação atualmente.

Os saldos de Lula, em termos de imagem pública, ainda foram mais oportunos, pois ocorreram num contexto em que o presidente Bolsonaro vem apostando na radicalização de seu discurso político, o que tem impactado sua popularidade nas redes sociais.

De acordo com levantamento realizado pela Quaest Consultoria, desde o fim de julho, quando intensificou seus discursos de ataque ao sistema eleitoral, o presidente vem perdendo popularidade. Após o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro perdeu a liderança e foi ultrapassado por Lula (59,79 x 52,38) na popularidade das redes sociais.

Popularidade não é suficiente

Devo dizer, no entanto, caro(a) leitor(a), que os resultados positivos para a imagem pública de Lula narrados até aqui não significam que a administração de sua comunicação política é tarefa simples, pronta e acabada. Apesar do carisma do ex-presidente, ele é uma liderança diretamente implicada no contexto polarizado que se desenha para a política brasileira.

Os esforços de sua pré-campanha têm sido para atualizar a imagem de liderança conciliatória e dialógica, com vistas a diminuir resistências e ampliar os apoios além das hostes de eleitores fidelizados.

Tudo isso ocorre no momento em que Lula faz acenos com questões caras à militância e ao projeto político da esquerda, como a regulação dos meios de comunicação. As pesquisas têm evidenciado que temas como esse promovem ruídos e desconfiança na comunicação com outros grupos, além de darem “munição” aos opositores.

Foi assim com a defesa do regime cubano, que levou à queda da popularidade digital de Lula e ao pior índice de sua trajetória (27,48). Os desafios para a comunicação política do ex-presidente não são, portanto, facilmente contornáveis. Envolvem escolhas complexas e requerem sutileza para bem navegar nas marés da popularidade.

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.