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Quem quer ser princesa?

O drama de Meghan Markle ressalta a relação íntima entre aristocracia, monarquismo e racismo
POR Izabel Accioly
Foto: Gareth Fuller / Pool / AFP

O drama de Meghan Markle ressalta a relação íntima entre aristocracia, monarquismo e racismo

Izabel Accioly
mariaizabelaccioly@gmail.com

E depois do “felizes para sempre”, veio a vida real. No último domingo, 7, Meghan Markle e o príncipe Harry concederam entrevista à apresentadora estadunidense Oprah Winfrey. Na ocasião, emocionada, Meghan relatou abertamente as tensões raciais presentes no seio da família real, como a preocupação sobre o quão escura a pele do filho do casal seria.

Na época do casamento, me recordo de presenciar algumas mulheres negras comentarem encantadas “agora teremos uma de nós na família real”. Era como se um sonho coletivo estivesse se materializando bem na nossa frente: a princesa negra que conquista o amor do príncipe branco e é alavancada a posição de realeza. Inebriadas pela ilusão colonial, esqueceram, naquele momento, todas as questões problemáticas que emergem quando uma pessoa negra passa a viver em um ambiente completamente branco.

A especulação sobre a cor da pele de um filho fruto de casamento interracial não é algo inédito aos brasileiros. Há um costume antigo de examinar o corpo de bebês recém-nascidos para verificar a presença ou não da mancha mongólica (uma mancha escura localizada na região do cóccix). Esta mancha indicaria que aquela criança seria racializada. As expectativas sobre a cor da pele estão ligadas ao modo universalizante como os grupos racializados são percebidos socialmente. Ser a única mulher negra em um espaço branco é sentir-se sozinha e invisibilizada em suas dores.

O sonho de tornar-se princesa e entrar para a família real é a prova do quão colonizadas nossas subjetividades podem ser. Quando, na infância, desejamos ser princesas, estamos nos conectando a ideias de feminilidade e beleza que não contemplam a nós mulheres negras. Desejamos o inalcançável ideal branco da distinção. E muitas vezes temos a ilusão que alcançamos essa distinção quando somos amadas por pessoas brancas. Entretanto, o afeto não nos livra do racismo, como, infelizmente, pode constatar Meghan Markle.

Izabel Accioly é antropóloga, professora e pesquisadora das temáticas de relações raciais e branquitude. Está no Twitter e no Instagram.

Izabel Accioly

Mestra em Antropologia Social pela UFScar, é pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Relações de Poder, Conflitos e Socialidades da USP/UFScar.