Bemdito

Um vestido para dizer: taxar os ricos não dá certo

Alexandria Ocasio-Cortez pediu a taxação dos ricos na edição 2021 do MET Gala. Essa estratégia funcionaria?
POR Simone Mayara
Detalhe do vestido usado pela ativista Alexandria Ocasio-Cortez na edição 2021 do MET Gala (Foto: Reprodução Instagram)

A frase de efeito “taxe os ricos” vem sendo utilizada há tempos e volta e meia convence alguém. O mais recente episódio foi o vestido da política americana Alexandria Ocasio-Cortez no baile de gala do Museu Metropolitano de Arte de Nova Iorque. O baile é uma tradição dos ricos e famosos dos Estados Unidos há muito tempo e passou a ser também um lugar para desfile de moda: as fotos do tapete vermelho costumam rodar o mundo, o que torna a escolha de Ocasio-Cortez muito acertada para explorar o tema e gerar impacto… Uma pena que a ideia não dá certo.

Antes de ser acusada de favorecer os ricos ou qualquer resposta mais figadal, quero dizer que aqui me refiro a coisas como o Imposto de Grandes Fortunas ou medidas desproporcionais baseadas unicamente no pensamento que o tamanho da alíquota é proporcional à arrecadação. São afirmações reducionistas e que parecem uma boa ideia para quem defende aumento do Estado, mas há contestações científicas que afirmam o contrário. E é sempre bom lembrar que não devemos apoiar ideias rasas, mas sempre a ciência. Como diria um ex-ministro: ciência, ciência, ciência.

Pois bem, os impostos sobre grandes fortunas já foram tentados em vários países e por vezes o seu insucesso é rebatido com o suposto caso de socialismo dos países escandinavos. Errado duas vezes. Primeiro, porque o dito socialismo de lá tem como combustível a liberdade de mercado. Outro ponto a criticar é o paralelo esdrúxulo de cenários. Adoraria poder nos comparar à Suécia em algo, mas sou realista.

A incidência de tributos deve se adequar à realidade dos países. Recentemente a Argentina aprovou um modelo de tributo nesse sentido, como uma emergência à pandemia da Covid. Mais uma péssima decisão de política econômica em meio a tantas outras e que, como todas as outras, não trouxe o objetivo de arrecadação desejado, além de ter fomentado a saída de empresas e fuga de cérebros do país.

Ver além da letra fria
A outra razão pela qual chamo o TAX THE RICH de simplista é a Curva de Laffer, teoria da economia, provada com todos os conceitos e números difíceis, que mostra que aumentar a alíquota pode diminuir a base de arrecadação, logo, o objetivo inicial não só não é atendido como pode ser piorado, já que um dos efeitos é o fechamento ou fuga daqueles que praticariam o ato gerador. É preciso, portanto ver além da letra fria. Pronto, acho que está claro, então, que a questão aqui não é que os mais ricos paguem impostos e que isso seja feito de forma proporcional, mas sim os dois problemas citados anteriormente .

Dessa forma, posso voltar a falar do vestido!

O vestido custou $1.000 dólares e foi feito pela estilista Aurora James. Não foi pago, como costumam fazer nesses casos: é um empréstimo. Desde seu feitio, a peça envolve várias questões progressistas abraçadas pela ativista. A estilista é uma imigrante do Canadá, define seu design como sustentável e é feminista. Sua marca se chama Brother Vellies e um par de meias custa $35 dólares. Penso que, para o público que ela quer taxar, seja um valor interessante.

A ação teve muita repercussão, positiva e negativa. A representante do Black Lives Matter Greater NY chamou a ação de performática e não muito socialista, principalmente porque as pessoas que protestavam por temas parecidos foram presas pela polícia do lado de fora do Museu. Minha opinião é que foi incoerente.

E então, por que incoerente? Bem, há quem tenha elogiado a ação exatamente por dizer que o interessante foi Ocasio-Cortez ter esfregado a questão na cara daqueles que pagarão a necessidade de mais taxação. Mas sua ação me parece incoerente, principalmente em um ambiente que só existe em decorrência da liberdade de mercado e econômica que fez os EUA serem o que são.

Ela propôs mais impostos em um ambiente que comprova que menos impostos e o incentivo à transferência direta de renda permitem, inclusive, a existência de incríveis museus com base em incentivos. É o pensamento oposto ao aumento de tributos que permite o ambiente no qual ela está defendendo tais medidas. 

Esse pensamento, que critico desde o começo, é fruto da política do ressentimento explorada em tantos setores. O ressentimento não colabora para resolver o problema, mas rende boas fotos. O ressentimento diz para taxar os ricos porque sua riqueza, necessariamente, vem do empobrecimento de alguém e repete “desigualdade” como justificativa. Dessa forma o problema real não é visto: a pobreza.

Ao manter o foco na desigualdade, alimentamos pensamentos lacradores e pouco eficazes como o do vestido e dos discursos fáceis, porque colocamos a culpa em alguém. Péssimo começo, e tudo o que vem a seguir é a busca por ideias de como tirar o dinheiro de lá e colocar de cá.

Outro fator de incoerência sobre isso aparece quando pessoas ricas diminuem sua situação para apontar a tal culpa da pobreza nos outros. No Brasil, um país com um número absurdo de pessoas vivendo em situação terrível, deveria ser mais fácil perceber que sim, se é rico.

Com a ajuda dos números
Em números fica um pouco mais fácil de ver, eu espero. Em 2021, o Brasil conta com 315 bilionários que atuam nos mais diversos setores — são os dados da Forbes — e juntos acumulam patrimônio de R$1,9 trilhão. Os gastos públicos do Brasil foram de R$1,381 trilhão em 2020. Então, fazendo um exercício muito esdrúxulo, se tudo isso fosse expropriado e tomado pelo Estado, 315 pessoas, que com certeza representam mais de 315 empresas e outras formas de prestação de serviços, conseguiriam manter o Estado brasileiro por um ano e meio?

O que quero dizer com isso é que não é a simples transferência da renda que resolve o problema: simplesmente taxar os ricos não vai resolver. Proporção, sim, é necessária — ter todo mundo pagando o mesmo x% no consumo nem faz sentido —, mas mais que transferir a renda, incentivar a geração de riqueza sobretudo dos pequenos e médios colaboraria muito mais para a melhora da vida dos mais pobres. Tanta explicação e número e técnica não fica tão legal em um vestido, não rende boas fotos, não lacra… Mas talvez, efetivamente, resolvesse problemas.

Simone Mayara

Analista política, é especialista em Direito Internacional e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política. Atualmente é sócia na consultoria de diplomacia corporativa Think Brasil.