Bemdito

Larguei a política e vou ver um filme

A íntima relação entre o fazer político, como arte da convivência humana, e a expressão cultural
POR Simone Mayara
Reprodução (Casablanca, filme de Michael Curtiz)

A íntima relação entre o fazer político, como arte da convivência humana, e a expressão cultural que desanuvia do mundo

Simone Mayara
simonempf@gmail.com

Por cansaço, larguei a política. Não para sempre. Essa atividade tão humana de se organizar para se gerir – além de seus tributos e suas vontades – ganhou meu coração. É uma paixão trabalhar com política, e não politicagem, seja escrevendo sobre ou analisando cenários para, assim, colaborar com grandes decisões. Me encontrei nesse negócio e parece que estou fazendo direitinho. Quando a gente gosta tanto assim do que faz, e a coisa que faz é logo política, em um tempo que politiza do vírus à camisa do Brasil, fica difícil não ver “trabalho” em todo lugar. Mas por hoje, por esta sexta, nesta coluna, larguei a política.

É clichê repetir que estamos cansados e vivemos uma época triste. Mas, ao analisar a história, é preciso dizer: já vivemos outras épocas tristes e complicadas. Por óbvio, em meio ao caos, a única opção é continuar vivendo – e da melhor forma possível. Vivendo, de verdade, não apenas existindo. Assumindo compromissos, confiando, servindo e, em tempos de corona, lavando as mãos, usando máscara e protegendo os mais vulneráveis à doença. E que falta faz poder viver sem falar de política, chorar os mortos sem fazer do caixão um palanque, enfim… Já estou politizando.

Diante desse cansaço, que acredito ser compartilhado, vendo dias tão difíceis e torcendo não para que eles passem depressa, mas que sejam vividos, decidi dar minha parte de pitaco, dica ou como queira chamar. Bons filmes! Sim, desanuviar entrando em outro mundo é tática antiga. Livros também são ótimos para isso, mas confesso que, nos últimos dias, o cansaço e a tristeza são tantos que não tenho dado tanta bola para eles como costumo. Mas descobri bons filmes: o primeiro é O professor polvo. Não levo em conta o fato de ter recebido o Oscar, pois para mim a Academia deixou há tempos de ser uma referência, mas o documentário é interessante e traz questionamentos.

Outro que me pegou esses dias foi Falcão e o Soldado Invernal, da Marvel. Historinha de heróis bem feita, viu?! E nem sou fã. Confesso que o que mais gostei – contém spoiler – foi a forma como o Falcão é bombardeado pelo discurso revanchista de racialismo e ainda assim opta por agir pela união e dignidade pessoais. Nas últimas cenas, dá uma aula errada de economia com jogo zero, mas no geral mostra um pensamento diverso que ainda tem poucos defensores. Ainda. Recomendo.

O filme Paulo, o Apóstolo de Cristo está na Netflix e é uma produção bem bonita. Não, não precisa ser cristão ou religioso, precisa ter olhos abertos para uma história interessantíssima que ajudou a espalhar a filosofia e que serviu de base à construção do ocidente como o conhecemos hoje. Numa época em que todo mundo quer se descontruir antes mesmo de ter feito uma base sólida, entender como construímos nosso valores é importantíssimo.

Para quem gosta de documentário, um disponível de graça no YouTube: Why beauty matters? (em português, Por que a beleza importa?), produzido pela BBC e com Sir Roger Scruton à frente, explicando o porquê de a Beleza, assim mesmo, com B maiúsculo, ser o exato oposto da futilidade, como insistem em nos fazer crer. Nada de padrões de corpo ou esse tipo de coisa pronto para ser atacado. A beleza como parte da natureza, construção matemática, alívio para a mente e instrumento pra fazer a vida melhor. Da arquitetura à moda. Scruton fala de tudo. Recomendo muitíssimo.

Por último, Casablanca. Meu filme favorito. Não canso. Está à disposição no streaming da Apple TV. Lançado em 1942, no melhor estilo Hollywood, tudo é feito para te transportar à cidade do Marrocos que servia de refúgio e ponte para uma nova vida durante a 2ª Guerra Mundial. Mas a guerra é só pano de fundo, pois, na verdade, trata de amor. O amor de um casal – meu Deus, como Ingrid Bergman estava linda! –, o amor entre amigos que passaram por apuros juntos e se mantem fieis e leais. O sacrífico de amor feito pra ver o outro melhor. E a humanidade corriqueira dos grandes eventos históricos. Acontecia a maior guerra até então, e até hoje, mas eram as pontes construídas entre as pessoas que faziam a diferença, e não os grandes discursos.

Eu sei, disse que ia largar a política, mas sendo ela a arte de convivência humana, acho que deu pra encontrar um pouco nisso tudo, não é? Talvez tudo seja política mesmo, não no sentido de instrumentalizar atos e diminuir a vontade do indivíduo, enquadrando-o em grupos como forma de dominar e mitigar a liberdade. Jamais. Mas talvez tudo seja política na forma de manter olhos abertos e curiosidade ativa para que, vendo outras experiências, lugares e formas de viver seja possível pensar em como trazer as partes boas e evitar as más.

Simone Mayara é Analista Política no Instituto Livre Mercado. Pode ser encontrada no Instagram.

Simone Mayara

Analista política, é especialista em Direito Internacional e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política. Atualmente é sócia na consultoria de diplomacia corporativa Think Brasil.