Bemdito

Copan, microcosmo da política brasileira #1

Como a vida em um condomínio com 5 mil moradores reflete a sociedade brasileira
POR Rodrigo Iacovini
Foto: Rodrigo Soldon

Como a vida em um condomínio com 5 mil moradores reflete a sociedade brasileira

Rodrigo Iacovini
rodrigo@polis.org.br

Participei nesta semana de mais um documentário sobre o Edifício Copan e seus moradores. Para quem não está ligando o nome à pessoa, ou melhor, o nome ao edifício: trata-se de um dos mais icônicos prédios residenciais de São Paulo. Talvez até mesmo da América Latina.

Projetado inicialmente por Oscar Niemeyer, o Copan é conhecido pelas suas curvas e por seu tamanho, com mais de mil unidades residenciais e aproximadamente 5 mil pessoas. São 120 mil metros quadrados de área, quase 10 quarteirões totalmente construídos e empilhados um sobre o outro. Apesar do impacto proporcionado pelos números, posso garantir: o mais marcante dessa experiência tem sido a sociabilidade e a política.

Nos seis anos em que moro no Copan (17% da minha vida), já conquistei amigos, parcerias para novos trabalhos e também crushes. Algumas dessas relações surgiram a partir da tradicional relação com vizinhos – e o meu andar é privilegiado com pessoas incríveis -, mas principalmente através da convivência em espaços da galeria comercial no térreo do edifício, a qual conta com uma impressionante variedade de comércio (livrarias, lojas de roupa, galerias de arte, petshop, cachaçaria, etc.) e de serviços (podologia, salão de beleza, lavanderia, estúdio de pilates, entre outros).

Dentro desse universo, encontramos uma boa acolhida em espaços como o Magg Café e a Barbershop SA, os quais se tornam ímãs que atraem e possibilitam a conexão entre até então desconhecidos. É impossível contar quantas pessoas conheci ou quantas horas deliciosas passei conversando – e até mesmo discutindo – com elas, enquanto tomava um café.

Ao mesmo tempo, a experiência contemporânea do Copan é também atravessada pela dimensão tecnológica, existindo uma rica vida digital que se funde com a experiência física. Sem entrar no mérito de como o edifício facilita a vida de quem usa aplicativos de relacionamento, como Tinder, Grindr, etc. (porque isso já é uma história para mesa de bar), estou me referindo ao grupo de moradores no Facebook, o Vivência Copan.

Criado em 2016, como uma dissidência do grupo Moradores Copan (de 2015), o Vivência tem sido um espaço de discussões, trocas, negócios e interações entre os atuais 831 membros, possibilitando socialização e organização entre moradores. O grupo possui regras claras, proibindo conteúdos discriminatórios, ofensivos e violentos. Essas eram práticas comuns até então no primeiro grupo e incomodavam diversas pessoas, que criaram então o novo espaço de discussão e para ele migraram.

De início, o grupo foi um oásis para aqueles que, como eu, sofriam com postagens e comentários violentos e racistas. Foi no grupo que consegui a doação de um Engov às 23 horas, em uma segunda-feira de carnaval, por uma vizinha que nunca havia me visto. Há ainda trocas e vendas de móveis e serviços, além de ofertas de ajuda e solidariedade em situações adversas vividas por moradores.

As moderadoras do grupo se desdobram e tentam gerenciar o ingerenciável, buscando assegurar padrões democráticos e éticos para as interações. Infelizmente, cada vez mais nos últimos tempos, são reproduzidas no grupo a polarização, a intolerância e a agressividade vivida na vida política brasileira e exacerbada nas redes sociais.

Isso, por sua vez, reverbera também na vivência do espaço físico, com casos de bate-boca presencial entre moradores, cuja origem remonta a animosidades iniciadas no espaço virtual. Essa experiência do Copan mostra não apenas que a dicotomia entre mundo físico versus mundo virtual faz cada vez menos sentido, mas ainda que o entrelaçamento entre espaço – seja ele físico ou virtual -, sociabilidade e política é profundo.

O busílis, assim como no Big Brother, está na malfadada e inescapável questão da afinidade e como isso reverbera na política local. Da mesma forma como conquistei amigos e crushes, fiz algumas inimizades. Assim também aconteceu com outros moradores. Até aí, tudo normal, vida que segue. A trama se complica quando essas relações começam a se refletir, como é inevitável, nas disputas em torno da gestão da vida comum do condomínio. Embora discordâncias e disputas sejam até saudáveis à vida política (seja em um país, seja em um edifício), é importantíssimo que ocorram dentro de parâmetros éticos e dialógicos, visando à reconstrução do bem comum.

No entanto, como abordarei na continuação dessa coluna na próxima semana, não é o que vem ocorrendo no prédio que hoje abriga uma população maior do que 1,2 mil municípios brasileiros e que possui um síndico profissionalizado – cuja administração é conduzida com mão de ferro há quase 30 anos -, com um salário que gira na casa das dezenas de milhares de reais. Afinal, o Copan, paraíso vendido pelos perfis do Airbnb está, para o bem e para o mal, imerso nas dinâmicas sociais e nas gramáticas políticas do restante do país.

Rodrigo Faria G. Iacovini é urbanista e coordena a Escola da Cidadania do Instituto Pólis. Está no Twitter e Instagram.

Rodrigo Iacovini

Doutor em Planejamento Urbano e regional pela USP, é coordenador da Escola da Cidadania do Instituto Pólis e assessor da Global Platform for the Right to the City.