Bemdito

Uma estufa chamada Brasil?

O que o cenário brasileiro nos diz sobre o rumo que estamos seguindo em relação às mudanças climáticas
POR Carolina Cordeiro

O que o cenário brasileiro nos diz sobre o rumo que estamos seguindo em relação às mudanças climáticas

Carolina Cordeiro
carolcordeiroc@gmail.com

No mês de comemoração do Dia Nacional da Conscientização sobre as Mudanças Climáticas – 16 de março -, o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), iniciativa do Observatório do Clima, lança o SEEG Municípios, que apresenta dados de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) dos 5.570 municípios brasileiros entre os anos de 2000 e 2018, iniciativa inédita no Brasil.

Os resultados colocam em evidência mais uma vez a Amazônia. Sete dos 10 municípios que mais contribuíram com as emissões de GEEs no Brasil encontram-se nesta região. Félix do Xingu e Altamira, ambos localizados no estado do Pará, estão no topo da lista. Dentre as principais causas para esse aumento estão o desmatamento e a agropecuária. Para fins comparativos, o município de São Félix do Xingu, sozinho, emite mais GEEs do que cada um dos estados do Nordeste – à exceção do Maranhão e da Bahia – ou do que países inteiros, como os nossos vizinhos Chile e Uruguai.

Por outro lado, são as cidades localizadas na Amazônia, com suas extensas áreas protegidas, as responsáveis por cerca de 72% dos volumes totais de remoção de GEEs no Brasil. Um exemplo é a cidade de Altamira, que, embora apareça na segunda colocação em termos de emissões, figura na primeira colocação quando se consideram as remoções de GEEs da atmosfera. Isso reduz as chamadas emissões líquidas, cuja redução está associada a melhores chances de controle do aquecimento global e de minimização de suas consequências. Esses dados são extremamente importantes, pois sinalizam a relevância das áreas preservadas no combate às mudanças climáticas. Também evidenciam a importância do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) do Brasil, que, ao longo de 20 anos, triplicou o número de áreas protegidas no país.

Até hoje, segundo informações de Tasso Azevedo, coordenador-geral do SEEG, menos de 5% dos municípios brasileiros tinham inventário de emissões de gases de efeito estufa. Com os dados disponibilizados na plataforma SEEG Municípios, todos eles terão dados de uma série histórica de 20 anos. Espera-se que a plataforma seja mais uma aliada ao monitoramento das emissões em cada município, contribuindo para a elaboração de políticas públicas locais no combate às mudanças climáticas e na ajuda ao desenvolvimento de economias alternativas, com a identificação de áreas estratégicas para o desenvolvimento de negócios que ajudem na redução das emissões de GEEs.

Medidas concretas e eficientes no combate ao aumento das emissões de GEEs são urgentes no Brasil. Quando miramos o cenário nacional, o último relatório analítico publicado pelo SEEG, o SEEG8, trouxe dados nada animadores para o país ao sinalizar um aumento de quase 10% nas emissões brutas de GEEs no ano de 2019 em relação à 2018, consolidando uma tendência na reversão da redução das emissões no Brasil, observada entre os anos de 2004 e 2010. Esses resultados vão de encontro aos compromissos assumidos pelo Brasil, por meio da Política Nacional sobre Mudança no Clima (PNMA), na qual o país oficializou o compromisso voluntário de redução de emissões de GEEs em, no mínimo, 36,1% dos níveis de emissões projetados para 2020. A realidade é que, desde então, elevamos os níveis em aproximadamente 30%. A situação torna-se mais preocupante quando analisamos os critérios adotados para o cálculo das projeções de emissões para 2020. As projeções levaram em consideração fatores superestimados para a atual realidade brasileira: que o crescimento anual do PIB seria de 5% até 2020 e que toda a demanda adicional de energia seria atendida por combustíveis fósseis. Nem o PIB brasileiro cresceu nessa proporção e nem a segunda condição faz sentido para um país cuja fonte principal de energia se dá por fontes renováveis, com relevante expansão no período. Ou seja, ainda que com projeções de emissões superestimadas para 2020, a tendência é a de que não consigamos atingir as metas propostas.

Quanto aos setores que mais contribuíram para as emissões brasileiras, nenhuma surpresa: as mudanças de uso da terra e a agropecuária se destacam. Impulsionados pelo desmatamento e pela expansão do rebanho bovino, os dois, sozinhos, contribuíram para 72% do total de emissões no país, seguidos pelos setores de energia (19%), processos industriais (5%) e resíduos (4%). Em nenhum cenário, o Brasil apresentou bons resultados: aumentamos em cerca de 28% as emissões brutas, 34% as emissões líquidas e em apenas 13% os índices de remoção de GEEs da atmosfera desde 2010.

E o Ceará nesse cenário?

O Ceará ocupa a 19ª posição no ranking dos estados brasileiros e o 3º no ranking do Nordeste, contribuindo com cerca de 25 milhões (t)CO2e, o que corresponde a aproximadamente 11% das emissões nacionais. O setor de energia foi o que mais alavancou o volume das emissões, em especial devido à queima de combustíveis. São Gonçalo do Amarante e Fortaleza encabeçam a lista dos municípios cearenses com maiores emissões, que, somadas, correspondem a cerca de 35% do total emitido pelo estado. Fortaleza aparece no topo da lista, impulsionada também pelas emissões provenientes do setor de resíduos, cuja principal fonte de emissão se dá pela disposição final de resíduos sólidos em aterros sanitários. Já São Gonçalo do Amarante se destaca pela presença da Usina Termelétrica, atividade relevante na emissão de GEEs no estado. Se removermos da avaliação os setores de mudanças no uso da terra e agropecuária, São Gonçalo do Amarante e Fortaleza aparecem na 8ª e 10ª posições no ranking nacional de cidades com maior volume de emissões brutas, e o Ceará sobe para 6º no ranking dos estados. Portanto, o Ceará contribuiu de forma relevante para o incremento das emissões nacionais, uma vez que aumentou em cerca de 20% os valores de emissões de GEEs desde a instituição da PNMA, ajudando o Brasil a se distanciar cada vez mais das metas assumidas.

Conter o aumento do desmatamento na Amazônia, por meio de estratégias que valorizem produtos agropecuários e florestais livres do desmatamento ilegal, criando um cenário de produção permanente e consistente, de modo a garantir um manejo agropecuário e florestal sustentável na região; pensar em alternativas para reduzirmos a queima de combustíveis fósseis, com foco especial no setor de transportes, considerando a forte contribuição desse setor na elevação dos níveis de emissões; diversificar a matriz energética nacional, com foco nas energias renováveis; e regulamentar o Mercado de Carbono no Brasil são apenas algumas das mais conhecidas alternativas já propostas.

Não restam dúvidas que tivemos avanços importantes nos últimos anos, em especial, um avanço expressivo no setor de geração de energia, que promoveu a expansão e diversificação da matriz de geração por fontes renováveis em todo o país, com destaque para as fontes eólicas e solar – e agora, quem sabe, com o hidrogênio verde, no qual o Ceará tenta ser pioneiro. Também vale destacar a importância do Brasil como um dos maiores produtores de biocombustíveis do mundo, com destaque para a produção de etanol e biodiesel. Nas últimas semanas, o Brasil também deu um importante passo no sentido da regulamentação do mercado de carbono, com o início das discussões na Câmara dos Deputados sobre regulamentação do mercado voluntário de carbono. Num primeiro momento, o mercado voluntário poderá fomentar diversas iniciativas de redução de emissões, incentivo econômico às atividades de baixa emissão de gases de efeito estufa e valorização do mercado verde. Mas precisamos avançar ainda mais e mais rapidamente! O caminho parece que já conhecemos. Implementar as medidas necessárias de forma rápida e permanente é o que parece ser o nosso grande desafio!

Diante de um cenário de pandemia, as discussões sobre as mudanças climáticas tomaram um novo impulso. Vários estudos têm associado a pandemia de Covid-19 às alterações climáticas observadas nos últimos anos. Portanto, os líderes de governo de todo o mundo devem aproveitar para agir em prol da mitigação das mudanças climáticas, para reduzirmos os riscos ambientais e sociais associados a essas alterações, inclusive o de novas pandemias.

Carolina Cordeiro é bióloga e gestora ambiental.

Carolina Cordeiro

Bióloga e gestora ambiental de projetos de energias renováveis, é mestre em Gestão Ambiental pela Universidade de Cantábria, Espanha, e especializada em Engenharia Ambiental.