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“Womanland”: o ano em que as mulheres tensionam o território masculino do Oscar

As histórias de Fern, Martha, Aida, Cassie, Mamaw, Mulan, Billie, Rosa, Ma Rainey, Soonja, Anne são travessias. Podemos ter lampejos de esperança em uma quebra da hegemonia masculina em Hollywood?
POR Camila Holanda
Cena do filme "Nomadland", de Chloé Zhao

As histórias de Fern, Martha, Aida, Cassie, Mamaw, Mulan, Billie, Rosa, Ma Rainey, Soonja, Anne são travessias. Podemos ter lampejos de esperança em uma quebra da hegemonia masculina em Hollywood?

Camila Holanda
camilasoaresholanda@gmail.com

Acompanhei a viagem da viúva Fern com muito apreço, curiosidade e uma dor no peito constante, daquelas que fazem a gente puxar o ar várias vezes. A personagem vivida por Frances McDormand em Nomadland é uma viajante de 60 anos, um dos grandes destaques do Oscar 2021. O filme é dirigido por Chloé Zhao, diretora e produtora chinesa, que concorre na categoria de melhor direção nesta edição do prêmio. Emerald Fennell, diretora de Bela Vingança, também está indicada na mesma categoria, rompendo com a histórica hegemonia masculina na categoria. Emerald assina a obra que aborda temas espinhentos como estupro, saúde mental, machismo estrutural.

Em 93 anos de Oscar, somente 5 mulheres haviam sido indicadas na categoria de melhor direção. Ano passado, inclusive, o total de zero mulher foi indicada. Isso quer dizer que não houve mulheres “boas” o suficiente para estarem ali? Não. Significa que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood e a indústria de cinema ocidental continuam um tanto sexistas. Mas há indícios de que isso começa a ser exposto, com movimentos que chegam em resposta.

Você já deve ter percebido que o Oscar é um ambiente bem masculino e que reforça muitos padrões heteronormativos ao longo de suas edições. Talvez, por esta característica, entre as tramas que mais agradam a instituição que conhecemos intimamente por “Academia” estão as autorreferentes (uma característica bem masculina, a propósito), como filmes que falam sobre Hollywood. Alguns exemplos são Mank, o favorito do Oscar 2021, indicado a 10 categorias; Era uma vez em… Hollywood, longa de Quentin Tarantino que rendeu o Oscar de melhor ator a Brad Pitt no ano passado; La, la, land, indicado a 14 estatuetas em 2017 e a lista segue.

Em 2021, algumas boas e necessárias mudanças marcam a edição da premiação, agendada para o próximo domingo, dia 25 de abril. Neste ano, em especial, os filmes estão ao nosso alcance de uma forma muito cômoda, bem ali nos serviços de streaming, devido aos tempos de pandemia e consequente distanciamento social necessário. A indústria cinematográfica teve de se adaptar, assumindo novos formatos, temas e abordagens, resultando em uma edição do Oscar muito peculiar, que sedimenta a importância dos serviços de streaming para o cinema, como Amazon, Netflix e Disney+.

Em meio às alegrias por vermos duas mulheres indicadas para a categoria de melhor direção, há críticas do público pela opção em não indicar Regina King à categoria com seu Uma noite em Miami – que esteve no páreo pelo Globo de Ouro. De toda forma, mesmo sacudindo a hegemonia masculina na categoria, ainda há muito o que avançar. Tem sido um processo. A obra está concorrendo nas categorias de melhor ator coadjuvante (Leslie Odom Jr.), canção original (Speak Now) e roteiro adaptado.

Outro destaque da edição é a atuação da Viola Davis em A voz suprema do Blues, longa um tanto teatral, que é a adaptação cinematográfica do espetáculo de mesmo nome assinado por August Wilson, em 1984. A narrativa aborda uma indústria cultural racista e misógina, mas perde ao não aprofundar as questões que são tão urgentes nestes tempos. Viola é uma mulher extremamente necessária, com uma atuação forte e gutural.

Mesmo com os lampejos de esperança em uma virada que traga uma representatividade robusta, ainda há um caminho comprido a ser trilhado. Na frente e atrás das câmeras, abarcando demandas sociais não só de mulheres, mas de pessoas negras, LGBTs, pessoas com deficiências (PcD) e outros segmentos. Um cinema que vá além, muito além. É possível?

Anotações além da perspectiva de gênero

O envelhecer
Filmes que se descolam da ode à juventude e retratam a velhice sob uma ótica mais amplificada me interessam particularmente. O longa Meu Pai tem a crueza dolorida do mal de Alzheimer, nos dias confusos de Anthony (vivido por Anthony Hopkins). Ali, vendo aquelas cenas, lembrei-me muito do meu avô, que, em tempos pandêmicos, tenho visto muito pouco. Sempre que o encontro ou falo com ele por vídeo, vejo-o diferente. Será que fica confuso daquele jeito?

Luto
Falar sobre a morte é um tabu. Mas, depois da morte, vem o luto, e como é importante falar sobre isto. Em alguns filmes da edição deste ano, o tema aparece sob diferentes formas. Quatro me tocaram, em especial. A que mais buliu em mim foi em Nomadland, principalmente, pela força, beleza e fragilidade de Fern, a protagonista. O luto de Cassie, em Bela Vingança, também é muito impactante e mostra a falta que faz um acompanhamento psicológico neste processo. Os meninos da animação Dois Irmãos me surpreenderam, com uma história divertida e bonita sobre a saudade do pai. Outra perspectiva do luto irreparável é a da mãe que perdeu seu bebê no parto, em Pieces of a Woman.

Camila Holanda é jornalista. Está no Instagram.

Camila Holanda

É jornalista e mestranda em Comunicação na Universidade Federal do Ceará (UFC). Escreve conteúdos com perspectiva de gênero.