Bemdito

Sua vida está em risco – a crise climática mata

O desequilíbrio ambiental se agrava e a crise climática exige respostas imediatas, individuais e coletivas
POR Rodrigo Iacovini

Dessa vez, não se trata de uma ameaça colocada pela violência urbana ou pela pandemia. A crise climática globalmente vivida pode afetar a vida de cada um de nós. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, anualmente, mais de 150.000 pessoas morrem hoje sob impacto das mudanças climáticas, número que deve subir para 250.000 pessoas entre 2030 e 2050. Como abordei em artigo para a Folha de São Paulo , embora alguns morram e sofram mais do que outros – a população de países e regiões pobres é mais impactada, pessoas negras sofrem mais as consequências em função do racismo ambiental, mulheres acabam aguentando maior sobrecarga no trabalho do cuidado -; a responsabilidade pela reversão desse cenário é coletiva e passa, necessariamente, pela mudança de políticas urbanas.

Nas últimas semanas, a pauta climática vem ocupando lugar de destaque em meios de comunicação e redes sociais. A realização em Glasgow (Escócia) da COP-26 – cujo nome completo é Vigésima Sexta Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) – tem aquecido as discussões sobre o tema. No entanto, ela não chegou ainda na conversa de amigos que tenho todo sábado à noite com a turma da época de colégio. Vocês também percebem essa dificuldade? Por que a discussão ainda não penetrou mais fortemente nosso cotidiano?

Em excelente reflexão aqui no Bemdito, Juliana Diógenes aponta algumas possíveis causas para essa dificuldade: a linguagem cifrada e pouco acessível dos eventos e debates climáticos, uma apatia que extrapola os limites do discurso racional, o viés alarmista e apocalíptico das abordagens do tema, dentre outras. Se, por um lado, discordo de que o viés alarmista afaste as pessoas do debate – como vocês podem perceber pelo próprio título desta coluna -; por outro, concordo plenamente sobre a necessidade de replantear as discussões climáticas. E, por isso, gostaria de acrescentar mais uma possível causa.

A despeito dos enormes esforços de movimentos e organizações sociais para aproximar o tema do cotidiano da população, ainda vemos no Brasil uma forte associação genérica entre a redução das emissões de carbono e a redução do desmatamento e queimadas na região da Amazônia. A associação está corretíssima e é extremamente importante para a reversão do cenário, para proteção da população atingida por estes processos, para a saúde de todos os brasileiros. Vivemos, contudo, num país em que mais de 84% da população vive em zonas urbanas. Mesmo em regiões abaixo da média nacional, como o Nordeste, que tem apenas 73% da população vivendo em áreas urbanas, trata-se de um país com forte modo de vida urbano. Aí reside um dos nós desse novelo.

Há uma dissociação histórica entre atores e agendas ambientais e urbanas. Se já há décadas sabemos da necessidade de integração destes setores, profundamente vinculados, e vemos tentativas de promover uma aproximação e transversalização da justiça climática em diferentes âmbitos de políticas, acredito que ainda não fomos bem sucedidos. Faço aqui, inclusive, um mea culpa: eu mesmo estive ausente desse debate por mais tempo do que deveria. Claro que não se tratava de uma aversão ao tema ou de desconsiderar a sua importância, apenas de priorizar e investir energia no que considerava mais efetivo e com que me identificava mais. O problema foi não perceber que este era um argumento extremamente falho, na medida em que a pauta que dizia me dedicar – a urbana – não existe fora “daquela outra” que deixava a cargo de amigos e colegas de militância – a ambiental.

Também a população em geral, me parece, ainda tem dificuldade em entender como seu cotidiano está diretamente vinculado aos impactos da crise climática, apesar de ser relativamente bem difundida a importância do consumo responsável e da disposição adequada de resíduos sólidos, da reciclagem, da compostagem, etc. Falta ainda, infelizmente, a consciência dos impactos promovidos pelo sistema de mobilidade desequilibrado de nossas cidades, pela segregação residencial, pelo racismo ambiental, pela infraestrutura urbana precária e inadequada, dentre outros. Incorporamos ainda muito menos a consciência de que o enfrentamento às mudanças climáticas somente será possível a partir da reversão das desigualdades sociais – de raça, gênero, renda -, as quais fazem com que os grupos historicamente vulnerabilizados sejam as principais vítimas de eventos climáticos extremos.

Pensando nisso, o Instituto Pólis publicou nesta semana um novo estudo internacional que coordenou no âmbito da Plataforma Global pelo Direito à Cidade, apontando caminhos para reversão da crise climática a partir do direito à cidade. Há diversas possibilidades concretas de democratizar e reequilibrar nossas cidades que impactariam positivamente a crise climática.

A questão é que estes processos fogem da esfera individual de ação e, por isso, nos sentimos impotentes. Muitas pessoas acreditam que não são responsáveis pelo seu equacionamento. Queremos focar no micro, naquilo que temos poder de mudar e decidir sozinhos: vou comprar menos e mais conscientemente, vou separar o lixo para reciclagem, vou compostar o lixo orgânico da minha casa. Todas essas ações são importantes e também impactam, mas a escala do problema exige transcender a esfera individual. A mudança sistêmica é necessariamente coletiva. Em qual grupo ou coletivo você está engajado para promover essa mudança? De que maneira você está colocando essa questão para discussão no seu grupo de amigos? O que vocês podem fazer juntos? Sua vida depende disso.

Rodrigo Iacovini

Doutor em Planejamento Urbano e regional pela USP, é coordenador da Escola da Cidadania do Instituto Pólis e assessor da Global Platform for the Right to the City.