Era Digital e o dever público de transparência
A falta de transparência sobre o banimento de usuários em aplicativos diz mais sobre riscos à democracia do que imaginamos
Desirée Cavalcante
desireecavalcantef@gmail.com
O início deste século foi marcado por profundas mudanças nas comunicações e nas relações sociais decorrentes do desenvolvimento de novas tecnologias. Há sinais, entretanto, de que o otimismo inicial acerca da Era Digital tem sido, progressivamente, substituído por sentimentos de insegurança, desconfiança e medo de ameaças aos direitos dos indivíduos e à própria democracia.
A repercussão desses debates pode ser percebida pela mudança de postura das empresas que controlam as redes sociais e pela estruturação de sistemas de normas muito mais rígidas para a proteção de dados.
Como demonstração pública do compromisso com a liberdade de expressão, o Facebook criou em 2020 um Comitê de Supervisão independente, cuja finalidade é examinar hipóteses de exclusão de conteúdos que possam representar violação às políticas de uso da empresa. Caberá ao Comitê julgar, por exemplo, o caso da suspensão por tempo indefinido das contas do ex-presidente Donald Trump no Facebook e no Instagram.
O debate do banimento de usuários não se limita às questões de liberdade de expressão. Com a migração de serviços de alimentação, transporte, moradia, educação e saúde para o ambiente virtual, é preciso definir os parâmetros que poderiam impedir o acesso de pessoas a tais serviços.
Não é possível excluir uma conta ou um conteúdo casuisticamente. É dever das plataformas e direito dos usuários a manutenção da previsibilidade acerca das consequências dos conteúdos publicados ou dos atos praticados durante a utilização de serviços.
A dificuldade de definir as próprias regras para o bloqueio legítimo de conteúdos e de perfis não é relevada. No entanto, o estágio de desenvolvimento das mídias e plataformas digitais e o impacto que elas desempenham no espaço público não podem ser interpretados a partir de um olhar estritamente privado.
Existe um dever de coerência e transparência dessas empresas que podem – e devem – ser social e institucionalmente exigidos. As promessas emancipatórias da Era Digital não podem se converter em arbítrio e exclusão.
O mar de promessas não pode emergir sobre um solo infértil.
Desirée Cavalcante é advogada, professora e pesquisadora na área de Direito Constitucional. Está no Instagram.