Violência contra a mulher fora e através das telas
Longe de ser uma alternativa segura à realidade, a Internet também reproduz problemas sociais graves, como a violência contra a mulher
Desirée Cavalcante
desireecavalcantef@gmail.com
As primeiras leituras sobre a relação entre democracia e novas tecnologias podem levar a uma enganosa impressão de que os problemas próprios dessa interação são analisados em um solo neutro. Tudo se dá em meio à diversidade de vozes e pensamentos, bolhas e excesso de personalização, espaços em que, muitas vezes, a uma posição não é atribuída cor, gênero, classe, religião ou etnia.
A Internet, no entanto, não é um espaço desconectado da realidade fora das telas. O mesmo ambiente que possui potencial de amplificação e diversificação de discursos é atravessado por desigualdades estruturais e por relações de subjugação em distintos contextos.
Os números chocantes da “pandemia de violência contra mulheres e meninas no mundo”, rapidamente, foram reproduzidos no ambiente virtual. Passaram, assim, a disputar com a tentativa de utilização das plataformas para mobilizar e denunciar agressões de gênero, como intencionam os movimentos #NiUnaMenos, #MeToo e #MeuPrimeiroAssedio.
Quando a Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou a estimativa de que cerca de 95% das agressões e difamações na Internet têm como alvo mulheres, um novo alerta foi acionado. O espaço digital, mesmo quando não cria novos problemas, amplifica realidades e fornece ferramentas mais potentes para a ação de agressores.
A liberdade na Internet é ameaçada pela formação de um ambiente hostil e pela propagação de comportamentos reforçados pela segurança do anonimato e da impunidade.
O combate à violência contra as mulheres pressupõe mudanças de normas culturais e sociais e de suas estruturas simbólicas, além do reconhecimento das suas diversas formas de manifestação. A criação de um espaço público digital livre, por sua vez, depende da atenuação das desigualdades.
A tecnologia pode ser utilizada como chave para aprimorar ou corroer a democracia. No entanto, reconhecer que ela funciona como meio de espelhamento da realidade social é inevitável.
Desirée Cavalcante é advogada, professora e pesquisadora na área de Direito Constitucional. Está no Instagram.