Chico da Silva não é somente um artista, é uma Escola
O que conecta o painel ‘Homens Trabalhando’, produzido no Salão de Abril de 1977, e o Pirambu, bairro periférico de Fortaleza
Por Ivna Girão
ivnanilton@gmail.com
Chico da Silva é concha no ouvido. Cada pincelada é um tanto de mar do Pirambu. Impossível pensar nas cores e não imaginá-las espalhadas por todo esse Ceará, um artista que transborda, que atravessa e se reinventa a cada novo olhar na tela. Um Chico que é inspiração, existência, resistência, que se faz no coletivo, em comunidade.
Passeando pelas redes sociais nesta semana, volta à tona um debate já conhecido: sobre a performance Homens Trabalhando, que resultou na produção de um incrível painel no Salão de Abril em 1977, e o debate de apropriação da obra. Deixo, no entanto, essa querela para os mais especialistas no assunto e sugiro acompanhar detalhes no perfil da Escola do Pirambu no Instagram. O belo trabalho se trata da pintura coletiva de um painel realizada pelos artistas da Escola do Pirambu: Claudionor, Babá, Chica da Silva, Garcia e Ivan.
No entanto, o que me traz aqui a potência dessa experiência de um ateliê artístico comunitário em um bairro periférico de Fortaleza: uma obra de arte pintada por muitas mãos. Uma semente plantada na Escola do Pirambu, um dos primeiros fenômenos de arte coletiva no Brasil, e um bairro inteiro vivenciando a criatividade e a resistência.
Nos bastidores da criação coletiva do painel Homens Trabalhando, uma fotografia chama atenção: artistas e crianças atravessando o centro de Fortaleza com um imenso e belo quadro nos braços, saindo da Praça dos Leões para a guarda provisória da obra, em 1977, durante o XXVII Salão de Abril. Uma via crucis, uma imagem forte. De uma arte que se carrega no corpo, que se guarda no colo, se faz no suor e no cansaço. Com homens e mulheres que, até hoje, tentam ser reconhecidos, nas periferias dessa cidade, desconstruindo discursos racistas e tentando sair das margens, disputando espaços e penetrando, na marra, os difíceis caminhos do mercado das artes, da política cultural e dos circuitos ainda tão elitizados. Uma fotografia que não sai da minha cabeça. Essa arte que atravessa, que se afirma no caminhar.
E aqui celebro, mais do que nunca, a arte que se faz no território: no chão de barro, no terreiro, na aldeia, no balançar da jangada. Da cultura que se fortalece quanto mais se reconhece negra, indígena, quilombola, ribeirinha, cigana, cabocla, feita no mangue, na margem do rio e no balanço do mar. A mesma mão que pega o pincel e faz belezas, é a mesma que balança a vela e segue o rumo dos ventos.
Viva a Escola do Pirambu e os visionários Chico da Silva, Hélio Rôla, Gilberto Brito e David Silberstein. E celebro aqui, com toda a minha emoção, os artistas Claudionor, Babá, Chica da Silva, Garcia e Ivan e a obra coletiva do painel Homens Trabalhando. Inspiração para novos modos de se pensar a arte, outros formatos possíveis de criação. Em tempos difíceis, de ataques à democracia e às artes, é no coletivo que acharemos forças para existir e resistir.
E para adiarmos o fim do mundo e acharmos um pouco de esperança para seguir os dias, trago aqui a citação, no catálogo do 71° Salão de Abril, do professor Roberto Galvão, um dos maiores estudiosos do artista: “a arte de Chico da Silva mostra o que somos. Chico, queiramos ou não, é uma escola.”
Ivna Girão é jornalista e Coordenadora de Comunicação da SECULT. Está no Instagram.