A insistência do voto impresso como jogo político
Continuamos diante dos questionamentos sobre a confiança nas urnas eletrônicas. A votação está marcada para o dia 05 de agosto de 2021, dia da publicação deste texto que escrevo. Talvez, quando estiverem diante da leitura, seja uma questão encerrada. Porém, considero necessário apresentar os sentidos dos movimentos parlamentares apoiadores da PEC pela insistência no descrédito às instituições brasileiras e para compreender o jogo político legislativo.
A PEC 135/19 propõe que, após o eleitor votar, tenha seu voto impresso para ser depositado em uma outra urna, a fim de que possa ser auditável. Na justificativa da PEC, Bia Kicis (PSL), autora, descredibiliza o TSE, argumentando que ele é o único órgão com o controle dos votos. Fica claro, já no texto da justificativa, o ataque direto à Justiça Eleitoral, inclusive utilizando a expressão “totalitarismo concentrado no órgão eleitoral”.
A tramitação da PEC está na chamada Comissão Especial da Câmara dos Deputados. As comissões funcionam como espaços de discussões aprofundadas. Para isso, especialistas sobre a matéria analisada são convidados para as sessões para que seja possível aos parlamentares estudarem as propostas.
As comissões obedecem à proporcionalidade das bancadas partidárias. Sabe a representação proporcional das eleições? Então. É desse modo que se busca garantir no parlamento que a representação política seja feita envolvendo os representantes de diversos grupos políticos. Assim, se um partido possui maioria entre os 513, esta maioria será representada proporcionalmente nas comissões.
Na Mesa da Comissão, duas funções são importantes para compreender o andamento da tramitação. O presidente da Comissão é responsável por gerir as regras procedimentais com base no regimento interno. O relator, por sua vez, é responsável por construir uma proposta com base nas questões discutidas durante as sessões. O relatório é discutido. Existe um prazo para ser alterado e, então, encaminhar para votação na comissão. Se aprovado, vai ao Plenário.
Essa dinâmica é chamada na Ciência Política de fluxo informacional. Ou seja, nas comissões, são discutidos conteúdos com maior aprofundamento para que os partidos que acompanharam as conversas possam informar aos demais parlamentares quando a pauta for apresentada no Plenário.
As explicações dos últimos parágrafos foram necessárias (agradeço a paciência!) para compreender por que ainda estamos aguardando a votação sobre a PEC do voto impresso auditável e como Bolsonaro fez dessa dinâmica um trunfo.
A PEC e os personagens da Comissão
O presidente da Comissão Especial da PEC 135 é Paulo Eduardo Martins (PSR) e o relator é Filipe Barros (PSL). Após o tempo de procedimentos (discussões, sugestões, audiências), não havia consenso em torno da aprovação do relatório.
No dia 16 de julho de 2021, após cancelar algumas reuniões para votação, foi marcada sessão extraordinária. Logo no início, o PC do B fez um requerimento para que o relatório fosse votado como primeira pauta. A estratégia do partido contava que a maioria dos deputados da Comissão não aprovaria a matéria e, por isso, a questão se encerraria. O requerimento foi aprovado por 19 votos a favor, 10 contra.
Em seguida, a deputada Caroline de Toni (PSL) pediu a retirada de pauta da PEC para que o relator tivesse oportunidade de alterar o relatório em busca de consenso. No caso, a alteração seria voltada para auditoria gradual dos votos, ou seja, a cada eleição, aumentaria o percentual de votos auditados. O requerimento foi recusado por 22 votos contra, 12 a favor. Os partidos que orientaram a favor foram PSL, PTB, PODEMOS, Republicano e Novo. Ou seja, não teve maioria para o adiamento e, possivelmente, seria matéria vencida.
Em seguida, ocorreram sucessivas tentativas de obstrução da pauta. O sistema utilizado para a sessão online ficou instável. O relator falou por mais de 40 minutos, o que não é permitido pelo regimento em sessão de votação. Após o retorno da estabilidade do sistema online, o presidente da Comissão optou por adiar a votação sem ter amparo regimental para tal. A estratégia utilizada visava à tentativa de ganhar o tempo do recesso parlamentar para construir consensos.
Bia Kicis, autora da PEC, diz que a questão foi “politizada”. Qual seria o espaço para a política se não a instituição cuja atribuição é a representação política? A proposição da própria deputada é a defesa de interesses e, portanto, faz parte do jogo político.
Para Kicis, com o reforço do discurso de Bolsonaro, o TSE está se articulando com o Congresso e impedindo a construção de consensos entre os parlamentares. Entretanto, não há apoio parlamentar suficiente para a matéria ir ao Plenário. Indícios que, em Plenário, não haverá mobilização das bancadas para que seja aprovada.
Sobrevida política
Jair Bolsonaro tem utilizado a pauta do voto impresso como uma oportunidade de sobrevida em busca de proximidade com eleitores antissistema. Fomenta questionamentos sobre Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, e sobre o STF, ao incitar a ideia de que buscam eleger Lula. Aqui, a estratégia é se aproximar de eleitores voláteis que rejeitam o PT e as instituições.
Por enquanto, as dinâmicas institucionais movimentam estratégias habituais e não colocam em xeque seus funcionamentos. Barroso respondeu às provocações contínuas e pediu abertura de inquérito contra as acusações de Bolsonaro. Para o presidente do TSE, as instituições precisam ser defendidas dessas acusações. De outra parte, os partidos na Câmara dos Deputados evitam entrar em conflito com as regras vigentes nas instituições ao evitar construir maiorias em torno da PEC.
Em busca de sobrevidas, quanto fôlego ainda resta aos ataques de Bolsonaro contra as instituições?