Bemdito

A crueldade da indiferença

Quem liga para a higiene menstrual das pessoas com útero? O Governo Bolsonaro não
POR Geórgia Oliveira

Outubro dá sinais de que findará ainda sem uma posição do Congresso Nacional sobre o veto do presidente Bolsonaro à dispositivos do projeto de lei 4.968/2019 que estabeleciam a distribuição gratuita de absorventes. O veto foi proferido no último dia 07/10 e em poucos dias completará um mês – prazo estabelecido pela Constituição para derrubada ou não do veto presidencial. Embora tenha tido uma forte repercussão nas primeiras semanas do mês, a temática não conseguiu mobilizar ou sensibilizar de forma a gerar ações de parlamentares no sentido de garantir esse direito tão básico aos brasileiros e brasileiras com útero.

Desnecessário demonstrar nesse texto que o veto de Bolsonaro a uma política pública tão barata e tão essencial para dignidade humana é um absurdo, bem como mostrar dados de como a pobreza menstrual afeta a vida de milhares de meninas, mulheres e pessoas com útero. Eu, você e todo Governo Federal sabemos que a única justificativa para deixar que pessoas utilizem miolo de pão, panos velhos ou jornal para conter a menstruação, é a crueldade. E é a crueldade o sentimento último que guia desde os responsáveis pela política econômica até o ministério que deveria cuidar das mulheres e dos direitos humanos.

Afinal, como já explorado no primeiríssimo artigo desta coluna, ninguém representa melhor os desígnios do governo do que a pessoa responsável por ir à público para dizer: “hoje a gente tem que decidir, a prioridade é a vacina ou é o absorvente? As mulheres pobres sempre menstruaram nesse Brasil e a gente não viu nenhum governo se preocupar com isso. E agora o Bolsonaro é o carrasco, porque ele não vai distribuir esse ano”. Damares Alves saiu em defesa de um governo que nem vacina, nem absorventes entrega direito à população. 

Se as mulheres e pessoas com útero sempre menstruaram nesse país e ninguém nunca ligou pra isso, fica ainda mais evidente no argumento da ministra a violência que é deixar que essa situação permaneça inalterada, principalmente quando a presidência financia “motociatas” e outros atos ilegais de campanha antecipada com dinheiro público. Mas é impossível esperar que um governo que não se sensibiliza com pessoas catando comida no lixo ou com famílias sendo obrigadas a beliscar ossos se importe com um problema “de mulher”, grupo desprezado por todos os escalões do desgoverno. 

Para o azar de Damares, governos e prefeituras de vários estados, inclusive do Ceará e da cidade de Fortaleza, encaminharam e estão aprovando projetos de fornecimento gratuito de absorventes e combate à pobreza menstrual, principalmente para a população mais invisibilizada e vulnerável. Embora a abordagem local seja importante, torna-se patente a inutilidade do bolsonarismo para liderar qualquer política ou deixar qualquer legado positivo ao país. O projeto do Governo Bolsonaro é o oposto àquele enunciado por Juscelino Kubitschek: fazer o Brasil regredir 50 anos em 5.

Geórgia Oliveira

Pesquisadora em violência de gênero, é mestra em Direito pela UFC, professora universitária e atua com divulgação científica em pesquisa jurídica no projeto Pesquisa e Direito.