A pracinha na boca da noite
Parte significativa de minha infância se deu dentro do perímetro de algumas praças. Meus irmãos e eu costumávamos ir, na companhia de nossos pais, quase diariamente às pracinhas da pequena cidade onde vivíamos. Lá descarregávamos por completo as baterias. Costumávamos chegar na boca da noite, quando sentíamos o calor baixando e os primeiros sinais da tão aguardada brisa do Aracati, um sopro com gosto de mar que há muito penetra o sertão.
Às vezes levávamos a bicicleta, outras vezes corríamos sem lei junto a outros bandos aos quais nos juntávamos organicamente, sem a necessidade de qualquer cumprimento até alguém cair de mau jeito, ser aparado por um adulto, chorar tantos minutos e então levantar-se de novo para recomeçar a correria. Ser criança tinha a ver com aquilo que escorria pelas pontas: suor, lágrimas, cotovelos e joelhos esfolados, cascas de ferida com cheiro de sangue e pus.
Hoje sigo realizando o percurso rotineiro até a pracinha, contudo, não sou mais eu a correr. É minha filha, Catarina, que mal se desgarra e já desaba saltitante por entre outros pequenos seres mais ou menos da sua altura. Já não vivemos no interior. No cenário da cidade grande, as galerinhas se multiplicam e a cada dia novos contatos se estabelecem. Catarina, filha única, nem sempre se integra rapidamente aos grupos.
Fico observando de longe, guardando a distância necessária para que ela não me veja o tempo todo, mas também para que possa me encontrar com facilidade sempre que quiser. Percebo que é tão mais discreta que eu quando tinha seu tamanho, mais comedida em certos pontos. Fita longamente o desvario da molecada antes de decidir aproximar-se de alguém para adentrar a selvageria. Nessas horas, imagino que ela tenha puxado ao pai.
Após hesitações e tentativas frustradas, ela retorna até mim e diz que o dia está difícil, que as meninas não lhe dão ouvidos, que os meninos passam acelerados demais e ela nem consegue alcançá-los. Então, peço calma e mostro alguma outra criança solitária pelos arredores, tímida demais para se lançar ao jogo. Ela mira, pondera e finalmente vai na direção da criatura.
Eis que sucede um momento de glória! Antes de Catarina abrir a boca por detrás da máscara, a outra já pergunta, numa simplicidade desconcertante: “Quer ser minha melhor amiga?” A partir daí, por um lado, alívio, por outro, tomo bons goles de paciência porque sei que a brincadeira vai durar. Só quando o cansaço dá seus golpes, ela concorda em voltar para casa. A despedida é breve, o coração quer repouso.
No percurso para casa, há o risco de qualquer assunto desencadear uma melancolia extrema, mas tudo a essa altura se trata do tal “enjoo de sono”. O chororô repentino é de praxe. Respiro fundo, abraço, é bom que ela deixe escorrer o velho líquido salgado pelos olhos. Em casa, jantamos e realizamos o ritual que faço questão de chamar “banho de relaxamento”. Ainda há 357 tarefas na minha lista de emergências do dia, mas ela e eu caímos no sono.