Bemdito

Casamento

Não sei enumerar possíveis vantagens de um segundo casamento, mas confesso que é gostoso partilhar os bregueços da casa, os rascunhos dos projetos - inclusive os medos e as inseguranças - com quem se ama
POR Raisa Christina
Elliott Erwitt

Quando me divorciei, há seis anos, não me senti amargurada, mas estava certa de que não me casaria novamente. Nas aspirações e nos devaneios de adolescente, o casamento não costumava despontar como tema. Observava meus pais, casados até hoje, e percebia aquele pacto um tanto desigual, sempre a pesar mais do lado da mulher. Meus avós maternos nunca se beijaram nem trocaram carinhos diante dos filhos. Nas cartas que minha avó paterna trocou com meu avô ao fim da vida, ela se queixava constantemente da ausência dele, da falta de apoio e parceria.

Então não romantizo o casamento. Entre um namoro e outro, cultivava os momentos de solidão com certo prazer, pois havia a companhia dos livros e de outros solteiros interessantes. Antes de ter minha filha, a solidão era amena. Depois que ela nasceu, precisei de pessoas de confiança por perto. A amizade com o pai dela, os avós, meus irmãos e amigas foi fundamental para que eu pudesse me inventar mãe e reinventar-me mulher. Essa questão, que pode soar desimportante, muito me interessa: como as mães voltam a namorar? De que modo elas se sentem desejadas novamente? Que partícula luminosa torna o corpo incandescente outra vez? 

Da colina deste dezembro desértico, olho para o ano ainda sombrio que se encerra e me percebo – curiosamente e carinhosamente – engajada numa união que começou tímida e foi se alinhando com firmeza nos últimos tempos. Mas não contava com a proposta de meu companheiro: a realização de um ritual de casamento. Surpreendi-me de início e depois fui gostando da ideia, uma vez que nossas famílias pouco se conhecem e a oportunidade de encontro entre amigos que amamos tem sido rara. 

Decidimos driblar os métodos religiosos e as formalidades. Optamos por uma reunião a ser ministrada por meu irmão, minha ex-sogra (que, como ela mesma diz, permanecerá minha sogra forever and ever) e o primo de meu companheiro. Minha filha levará até nós as alianças prateadas. Num fim de tarde no agreste alagoano, vamos brindar ao amor, aos acasos trêmulos, aos laços que se multiplicam. Não há nada mais cafona e nada mais bonito. Acho válida a experiência, porém, compreendo bem as amigas e os amigos que, discretos e pragmáticos, não desejam simbolizar o relacionamento em rituais desse tipo. 

Quando me casei pela primeira vez, tinha vinte e quatro e fui feliz. Hoje tenho dez anos a mais e considero essa diferença realmente significativa. A vontade de me cuidar aumentou de forma considerável. A paciência também. Não sei enumerar possíveis vantagens de um segundo casamento, mas confesso que é gostoso partilhar os bregueços da casa, os rascunhos dos projetos – inclusive os medos e as inseguranças – com quem se ama. O que você pensa a respeito? Se quiser me contar sua própria experiência, saiba que sou uma boa “ouvinte”. Escreva para raisa.christina@gmail.com.

Raisa Christina

Artista visual e escritora, tem mestrado em Artes. Trabalha com ilustração e ministra formações em desenho, pintura e arte contemporânea.