Bemdito

O Design não é inocente

Muitos projetos e publicações têm surgido com a proposta de reconstruir histórias e ideias, e de repensar o chamado Estilo Internacional no Design
POR Juliana Lotif
Foto: Mika Baumeister

Longe de ser isento e figurar apenas como algo bonito de se ver, um artefato oriundo de processos de Design é construído por pessoas e, por isso, reflete posições políticas, ideológicas e culturais. Cartaz, mesa de cabeceira, roupa, sinalização e até automóveis também podem reforçar tabus, preconceitos, visões estereotipadas e coloniais.

O século XX foi o período do surgimento e da consolidação do Design formal em suas diversas áreas. A história contada na maioria dos livros traz muitas referências aos projetos e estilos visuais surgidos na França, Alemanha, Suíça, Rússia e Estados Unidos. Uma das mais citadas é o chamado Estilo Internacional.

Com a finalidade de produzir artefatos universalmente compreendidos e utilizados, esse estilo surgiu na Alemanha, popularizou-se nos anos de 1970 e perdura até hoje, em muitos projetos, através da simplicidade das formas e da funcionalidade dos artefatos. 

A universalidade e a neutralidade do Design, aclamadas durante boa parte do século passado, escondem muitas vezes perspectivas racistas, machistas e classistas. Autores de referência, ainda utilizados na área, foram declaradamente racistas, relacionando a pureza das formas nos projetos à pureza racial; e machistas, quando defendiam a “masculinização” do design, afastando-o do contexto doméstico, associados às mulheres, para torná-lo mais sério e respeitado.

Também era comum a defesa de soluções caras para elitizar o consumo dos artefatos. Essas visões, que parecem absurdas hoje, ainda se refletem na escolha de imagens, formas, tipografias e paletas de cores que designers foram educados a utilizar nos seus cursos de formação.

Para olhar de outra forma o que temos contato no dia a dia, trago algumas sugestões:

– Podcast: Sentipensante. Na sua primeira temporada, o Sentipensante, organizado pela professora Cristina Ibarra (UFPE), traz discussões e experiências de diversos designers da América Latina, levantando temas como o impacto do design na vida das pessoas. Os episódios estão disponíveis em vários tocadores de podcast;

– Palestras: II Colóquio de Pesquisa em Design – De(s)colonizando o Design. Promovido pela UFC e UFCA em novembro de 2020, o evento trouxe palestras e mesas redondas com a proposta de pensar novas possibilidades de articulação entre sociabilidades, subjetividades, tecnologias e projetos em Design. Você pode assistir no canal Pesquisa em Design no Youtube;

– Livro: Políticas do Design, de Ruben Pater (Ubu Editora, 2020). Com a proposta de (des)alfabetizar nossa leitura de imagens e formas, esse livro é uma espécie de cartilha com dicas que exploram o contexto cultural e político de cores, símbolos e tipografias utilizados cotidianamente por designers.

– Livro: O Design que o Design Não Vê, de Mário Moura (Orfeu Negro Editora, 2018). O autor português traz 12 ensaios que analisam o patrimônio discursivo do design, a partir dos conceitos de raça, classe e gênero.

Hoje, felizmente, fala-se mais em criar artefatos que façam conexões entre mundos diferentes, levando designers a repensar sua cultura profissional, incorporando a escuta ativa da comunidade e tendo maior tempo de execução para os projetos. Em vez de universal, o Design deve ser pluriversal.

Juliana Lotif

Comunicadora social e designer, é professora de Comunicação Visual na UFCA. Mestre e doutoranda em Design pela ULisboa, foi coordenadora de cursos de graduação e pós-graduação em Publicidade, Jornalismo e Design.