A revolta da vacina
Revelações da CPI da Pandemia rendem choque e indignação para todos os brasileiros que ainda não se vacinaram
Juliana Diniz
julianacdcampos@gmail.com
É difícil acompanhar os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito da pandemia. As sessões exigem paciência e fígado. Prolongam-se por horas e horas numa sucessão de perguntas repetitivas e arroubos retóricos desnecessários; vez por outra são suspensas pela baixaria generalizada; e revelam sem dó que a gestão pública é uma síntese de irresponsabilidade, amadorismo e perversidade.
Nas últimas duas semanas, foi difícil terminar o dia. Como quem levanta as mãos aos céus pedindo explicação para o inexplicável, perguntei ao além: meu Deus, estou em maio de 2021, já morreram centenas de milhares e ainda preciso testemunhar um senador do Ceará defendendo cloroquina na TV? Há limite para tudo.
Na última quinta, 13, descobrimos que uma parte das negociações para a compra das vacinas contou com as desinteligências do ex-Secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro e do assessor para assuntos internacionais Felipe Martins.
Imagine, leitor, que o bem mais desejado e escasso do mundo foi oferecido ao governo do seu país algumas vezes. Que esse bem o permitiria afastar o risco de contaminação e morte, e deixaria seus pais, irmãos e filhos mais seguros. Esse bem precioso, que traria de volta alguma normalidade para sua vida, foi ofertado, ignorado por meses e, por fim, parcamente negociado por três figuras sem qualquer expertise especial em matéria de saúde pública ou contratos. O que você sente, além de estupefação indignada por confirmar que o governo é mesmo uma caravana de lunáticos irresponsáveis e cheios de si?
Permita-se um exercício, só para manter viva sua cidadania. Relembre algum dos pronunciamentos do general Eduardo Pazuello. Imagine aquela voz imperativa dizendo novamente: o que o Ministério da Saúde tem a ver com a distribuição de oxigênio?! Agora pense que é graças à absoluta incompetência desse homem e daquele que o investiu de poder que você não será imunizado nem amanhã, nem no próximo mês. O que você sente?
Vou detalhar minhas sensações. Preciso sempre de algum tempo para administrar um nó seco de raiva e indignação entalado na garganta, piorado pela vergonha de descobrir que há senador eleito incapaz de articular uma pergunta com sentido. Sinto também uma vontade quase incontrolável de fazer uma faxina. Defenestrar dos gabinetes da República os inúmeros Carlos Bolsonaros que orgulhosamente nos condenam à pobreza, ao embrutecimento e ao luto. Gente pequena, infeliz e desequilibrada que ostenta título oficial com o peito estufado por uma ilusória sensação de que tem o poder sobre o destino de um país inteiro.
Sinto também inveja dos americanos que mandaram para a rua o seu tirano tresloucado e agora podem ostentar esperança e felicidade. Como pavões, por terem furado a fila do mundo inteiro, já se permitem o luxo de passear sem máscaras, abraçar desconhecidos e rir das cenas deploráveis dessa república de bananas aqui embaixo. Porque é isso que somos para o globo.
Um lugar que mal tem ministro, mal tem universidade, mal tem sentido. A vacina no meu braço certamente não curaria a revolta, mas pelo menos me devolveria algum senso de futuro.
Juliana Diniz é editora executiva do Bemdito, professora da UFC e doutora em Direito pela USP. Está no Instagram e Twitter.