Bemdito

A suruba que salvou o Brasil

Como uma festinha realizada em uma casa alugada no Airbnb ajudou a descontrair a semana do brasileiro
POR Jáder Santana
Detalhe da tela "The triumph of pan", de Nicolas Poussin

Como uma festinha realizada em uma casa alugada no Airbnb ajudou a descontrair a semana do brasileiro

Jáder Santana
jaderstn@gmail.com

O sexo vem salvando muita gente desde que o Brasil acordou e viu que Bolsonaro e o Covid haviam assumido o topo de nosso pódio de preocupações diárias. Não tem sido fácil ser brasileiro no país onde coexistem, sem dar sinais de enfraquecimento, tais fatores de destruição. A desesperança se enfiou em nossa rotina, como a tapioca, o cafezinho e o vira-lata caramelo. E se a vida sexual de muitos patriotas naufragou como a campanha de vacinação do Ministério da Saúde, outros fizeram das horinhas de sacanagem a tábua de salvação para esses dias. 

No Twitter, o assunto mais quente é a suruba do Felipe e a ira da Verônica. Por partes: Felipe alugou a casa da Verônica pelo Airbnb, uma plataforma popular de alugueis por temporada. O que Verônica não sabia – e só ficou sabendo pelas câmeras de segurança instaladas na casa – é que Felipe convidaria quinze amigos e amigas para celebrar seu aniversário de forma que não deixaria nada a dever à tragycomediorgya de José Celso. 

Em um dos vídeos que circulam na rede, um jovem rapaz (seria Felipe?) leva uma surra de bunda de uma das convidadas sob o olhar petrificado de um cachorrinho de orelhas baixas deitado ao lado. Não sabe o que é surra de bunda? Clique aqui para ver uma demonstração profissionalíssima d’As Tequileiras do Funk – o YouTube vai te alertar que o vídeo “pode ser impróprio para alguns usuários”, mas não é nada que sua curiosidade antropológica não consiga assimilar. 

Perturbada pelas imagens que viu em tempo real, como um pay-per-view de BBB para maiores de idade, Verônica não deixou barato. Em áudios vazados, reclama que o churrasco de aniversário virou “um bordel, uma suruba, que tem homem pelado e mulher pelada em tudo quanto é lugar.” Vai além, diz que a atitude de Felipe fere as regras do Airbnb e aconselha, subindo o tom de voz: “você tem que ser claro em sua proposta, pergunta se na casa dá pra trepar.” 

Felipe, leve como pluma depois da noite de brincadeiras, responde: “me admira você imaginar que eu, um jovem, vou convidar quinze amigos pra comemorar meu aniversário na sua casa, pagando uma fortuna de diária, sem ter a intenção de comer ninguém. Em que mundo você vive? Eu já transei em banheiro químico, Verônica, em obra de vizinho. Eu não vou transar em uma casa dessa que eu aluguei por uma fortuna?” E recomenda: “você deveria ter colocado no título do seu anúncio ‘proibido trepar no local'”.

Desconfio que toda essa história seja falsa. Uma invencionice para, quem sabe, promover alguém ou alguma coisa. É boa demais para ser verdade. Verídica ou não, o fato é que Felipe e Verônica conseguiram desanuviar nossas ansiedades no dia em que todas as atenções se voltam à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a criação da CPI do Covid, no dia em que pode ser dado o primeiro golpe de um ataque letal contra Bolsonaro. Mais: no dia em que manchetes se ocupam dos bastidores e melindres de nossa política, aparece, sem aviso, de supetão, o sexo em sua versão mais devassa. De repente, o Brasil troca a ordem pela suruba. 

Em setembro do ano passado, a Wonderboom, uma empresa brasileira de consultoria de pesquisa e estratégia criativa, divulgou, a partir de estudo de treze semanas, que 72% dos brasileiros diminuíram o ritmo das relações sexuais ou estão em total abstinência. A diversão na cama aumentou em apenas 11% dos lares. A pesquisa ainda chama atenção para a diminuição da libido durante o confinamento e a sensação de sufocamento por parte das mulheres, que precisam conciliar as exigências profissionais à crescente demanda de um lar em crise. Aqui no Bemdito, a colunista Paula Brandão, doutora em sociologia, vem escrevendo com frequência sobre a situação íntima da mulher nesse cenário de bagunça. 

Também no ano passado, foi divulgado que o Brasil havia vendido, nos primeiros três meses da pandemia (março, abril e maio), 1 milhão de vibradores, aumento de 50% em relação ao mesmo período do ano anterior. “Os lojistas nunca venderam tanto vibrador, consolos e plugs na história”, afirmou Paula Aguiar, ex-presidente da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sexual, em entrevista à revista Veja. 

Ao que tudo indica, estamos transando menos, mas nos masturbando mais. Que assim seja. Se um milhão de mulheres (e homens também, por que não?) aproveitou os primeiros meses de isolamento social para descobrir seu corpo e seu prazer, estamos no lucro. O sexo, o vibrador e a suruba do Felipe ajudam a restituir forças que serão necessárias para os próximos dois anos. Enquanto isso, mantemos um olho no STF e outro na suruba do Airbnb.

Jáder Santana é jornalista e editor do Bemdito. Está no Instragam e Twitter.

Jáder Santana

Editor executivo do Bemdito, é jornalista e trabalhou como repórter e editor de cultura do jornal O Povo, onde também integrou o Núcleo de Reportagens Especiais. É curador da Festa Literária do Ceará e mestrando em Estudos da Tradução pela UFC.