Bemdito

A volta do articulador: as movimentações de Lula enquanto a CPI acontece

Enquanto a CPI acontece e o governo se desgasta, Lula se dedica a fortalecer seu capital político e mobilizar o discurso da política como esperança
POR Juliana Diniz
Ricardo Stuckert

Enquanto a CPI acontece e o governo se desgasta, Lula se dedica a fortalecer seu capital político e mobilizar o discurso da política como esperança

Juliana Diniz
julianacdcampos@gmail.com

O apelo midiático e cênico da CPI da Pandemia é forte, sabemos. Há semanas, os desdobramentos da comissão ocupam a pauta dos principais noticiários, e parlamentares como Omar Aziz e Randolfe Rodrigues ficaram mais próximos do afeto dos “internautas”.

O governo respirou aliviado depois de dois depoimentos espinhosos – o de Ernesto Araújo e o de Eduardo Pazuello. Segundo avaliação do Planalto, os ex-ministros até se saíram bem em face do desastre que poderia ter sido a inquirição dos dois personagens mais controversos da condução da pandemia. Sabemos que, se o governo pode respirar, os efeitos nocivos da pauta negativa são, contudo, bem mais complexos. Isso porque, a CPI pode não resultar em nada concreto, mas o governo indiscutivelmente se desgasta, se enfraquece, perde o foco, se tornando alvo fácil para seus opositores.

Lula que o diga. Enquanto Bolsonaro e sua entourage se ocupam de administrar os efeitos da comissão, a avaliação popular do governo derrete e seu principal adversário ganha força. Em pesquisa Datafolha publicada no mês de maio, descobrimos que a aprovação do governo despencou nada menos que treze pontos percentuais – em março, 37% consideravam o governo ótimo ou bom, uma margem que caiu para 24% na última pesquisa realizada. A rejeição ao presidente também aumentou, alcançando expressivos 54%, o que explica as projeções de vitória de Lula tanto no primeiro turno como no segundo turno se as eleições acontecessem hoje. O fato é que a conjunção de CPI, vacinação lenta, economia agonizante e desejo de mudança está cobrando um preço alto a Jair Bolsonaro.

Seu opositor não tem perdido oportunidade de recuperar a força de seu capital político. Movimentando-se nos bastidores de Brasília e na mídia, Lula já se apresenta como candidato e se investe da tarefa de consertar um país doente, em cacos. Afagou Fernando Henrique Cardoso, jogou panos quentes em Ciro Gomes, pediu mais complacência ao Centrão e deu entrevista importante à revista francesa Paris Match em que sua persona do Lula alegre, atlético e carismático surgiu mais sorridente do que nunca.

“Minha meta hoje é ver o povo recuperando o prazer de ser brasileiro. O orgulho de viver no Brasil. É isso que me move todo dia. Tô livre, leve e solto para viajar esse país e dizer ao povo que é possível o Brasil voltar a ser grande”. Escreveu Lula no Twitter, sintetizado o seu humor do momento. Despedindo-se definitivamente do Lula ressentido com a perseguição política, volta o político disposto ao trabalho, saudável e refeito.

A entrevista à Paris Match não foi a única aparição de Lula na mídia internacional nos últimos dias. Em conversa com The Guardian, declarou que corre normalmente 9km por dia, “porque andar pelo Brasil vai ser muito cansativo e preciso preparar minhas pernas para consertar os problemas deste país”. Já explora as especulações sobre seu vice e começou a empreender a tarefa de retornar ao posto de presidente depois de enfrentar um tortuoso enredo judicial que o levou da condenação à elegibilidade em meio a holofotes, torcidas e muitas surpresas.

O ex-presidente tem a seu favor algo que Bolsonaro também tem: carisma. Goste-se ou não do atual presidente, ele foi capaz de falar a uma parcela da população brasileira de forma tão visceral, irracional e intensa que superou todos os prognósticos da análise política para tornar-se presidente. Resistiu a crises significativas e, mesmo sendo responsável por uma gestão temerária, ainda tem uma aprovação na casa dos dois dígitos. Bolsonaro tem carisma e se aproveitará dele para chegar ao segundo turno em 2022.

A força carismática de Lula é diversa e esse é o trunfo do ex-presidente nas próximas eleições, que explica sua força eleitoral mesmo após o desgaste da Lava Jato. Enquanto o discurso bolsonarista mobiliza multidões ao invocar emoções sombrias ligadas ao medo, ódio, e ao desejo de neutralização de certas formas de vida, Lula trabalha uma mensagem política positiva e esperançosa, fundada na ideia do “orgulho de ser brasileiro”. Uma mensagem mais luminosa, com apelo de marketing significativo, que tem o potencial de tocar o cansaço das famílias enlutadas e famintas pelo país.

Hoje, é o favorito, mas tem pela frente uma missão difícil. O Lula “paz e amor” é antes de tudo um articulador habilidoso, que, no passado, foi capaz de congregar no seu projeto de governo interesses muito conflitantes ao mesmo tempo em que ofereceu ao brasileiro a sensação de estar abençoado por uma era de bonança e prosperidade. Em 2022, a versão de paz e amor precisará focar tanto na sua capacidade de oferecer esperança no futuro quanto na disposição para se dedicar à recuperação dos traumas e do peso indigesto do passado.

Juliana Diniz é editora executiva do Bemdito, professora da UFC e doutora em Direito pela USP. Está no Instagram e Twitter.

Juliana Diniz

Editora executiva do Bemdito. É professora do curso de Direito da UFC e Doutora em Direito pela USP, além de escritora. Publicou, entre outras obras, o romance Memória dos Ossos.