Acender belezas e dançar entre escombros
A arte cura, ensina e faz lembrar que cultura existe para a realidade não nos destruir
Por Ivna Girão
ivnanilton@gmail.com
Acender belezas e dançar entre escombros. Duas habilidades que tenho praticado em tempos de pandemia. Um pequeno manual do que fazer para não enlouquecer antes das 10 horas da manhã, de tomar um café sem se afogar com as notícias, não sucumbir ao ranger das estatísticas. Não há meditação ou chá de hortelã que ajude quando a cabeça tenta, em vão, ter um pouco de paz e esperança.
Em dias assim, a dica é ser um tanto escafandrista de felicidades em meio a monturos de temor e medo. É mergulhar lá no fundo do peito e procurar um pouco de respiro. É se apegar, enfim, ao que importa realmente – e não se perder no afago do abraço do afogado. Como canta Gal, é sobre perceber que “belezas são coisas acesas por dentro e tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento”.
Muitos dizem: a “arte salva”. A ciência salva o corpo, e a cultura ensina a alma a sentir melhor a vida. A arte é esse cuidado de curar pelo encantamento, de manter a chama forte no pavio, de mergulhar nesse “mar de fueguitos” de Eduardo Galeano e aceitar o convite de Nietzsche a entender que ela existe, sim, “para que a realidade não nos destrua”.
Acender belezas. Uma exposição virtual, em cartaz no Instagram, a @drag-se fez faíscas no corpo, abriu passarelas para a beleza desfilar: “Drag-se, um olhar além do close”. Um projeto envolvendo artistas que fotografam performances de drag queen no Cariri. Uma lindeza que irradia, um feed de fotos que trazem um clarão de alegria. Cor, brilho, paetês, luxo, arte, criatividade. A gente até esquece do pavor do mundo lá fora. “Me monto há seis anos. E o fazer Drag para mim foi bem mais do que dar vida a uma arte. Se montar tinha uma relação muito mais íntima com quem eu era por dentro”, diz Nikki Souza, que encontrou sua boia de salvamento. Além da performance, o Drag-se é luz acesa contra a morte de tantas. Enquanto celebra a diversidade da vida e dos corpos, também denuncia as dores, os preconceitos, e reafirma essa vontade estarrecedora de se libertar.
Dançar entre escombros. O corpo bonito para mim é o livre. Aquele que dança. Como diz Luiza de Teodoro, “dançar foi a primeira tentativa de voo do ser humano”. Na alegoria de sobreviver, a bailarina Herbeline Holanda tem ensinado a levar os dias com mais beleza. No Instagram, @herbeline abre a câmera, afasta o medo e o sofá da sala, abre espaço no peito e na casa para o movimento preencher. Dançando, ela faz nascer alegrias e bons sentimentos quando mexe o ventre, os braços e nos lembra do prazer que é ir além, de não caber, de se expandir até atravessar o cansaço e o tédio. “Faz parte abrir espaço e dar espaço para que outras formas de alinhar possam ser feitas”, diz.
Na surpresa dos dias, recebi, no grupo de WhatsApp do trabalho, um áudio emocionante com a cantoria do DJ Estácio Facó (@estaciofaco) e seu filho Caetano, bravando esperanças para adiar o fim do mundo. No dueto, a voz da criança lembra que “ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”. E, assim, numa felicidade bonita, me “senti um sujeito de sorte”.
Ivna Girão é jornalista e Coordenadora de Comunicação da SECULT. Está no Instagram.
Serviço
Para embelezar o olhar:
@drag_se_
@tibico_brasil
@paulageorgia
@samuelmacedo.photo
@celsoliiveira
@xodofotoefilme
@jonath.a.ndrade
@peubfonseca
Para o corpo dançar:
@herbeline
@andreabardawil
@lennabeautyestudio
@princesinhasdopassinho
@usinamacademiadedanca
@ballet_adulto_armaiszen