Afinal, o que são os mercados?
Uma apresentação didática sobre o que são os mercados e sua relação com a economia capitalista
Leonardo Romero
lromerobr@gmail.com
O que você normalmente pensa quando escuta falar em “o mercado”? Imediatamente podemos nos lembrar da feira semanal ou da compra do mês, mas a maioria já deve logo ir mais além e pense naqueles pregões de corretores de ações, com engravatados agitados gritando no celular. Negociações financeiras não ocorrem mais assim, mas, para quem já passou dos 30, a imagem de Wall Street e da Bovespa provavelmente já foi essa. Aliás, a “Bovespa” já mudou de nome duas vezes desde essa época.
Um mercado não deixa de ser um lugar onde pessoas compram e vendem coisas. Claro que não precisa ser em um prédio, pode ser em uma praça ou mesmo em uma página eletrônica. Vamos conseguir entendê-los melhor se os virmos como instituições – um conjunto de fatores organizados para facilitar a realização de trocas entre os participantes.
Nas feiras e exposições, vendedores se encontram com compradores em potencial. Distâncias são reduzidas e informações circulam mais rapidamente, diminuindo os custos de se realizarem os negócios. O exemplo se aplica também a qualquer atacadista ou varejista: eles conectam produtores a consumidores finais, permitindo que sejam celebrados vários negócios que, em outras situações, não seriam fechados. Um mercado, assim, reúne vários participantes que desejem fechar negócio, para que possam buscar as melhores transações.
Em um sentido mais amplo, todavia, podemos chamar de “mercados” não só as instituições que facilitam o contato entre compradores e vendedores, mas o próprio processo no qual interagem grupos de compradores e vendedores de certo bem ou serviço, resultando na possibilidade de troca.
Todos os dias, ao redor do globo, bilhões de decisões são tomadas por pessoas, reunidas em famílias ou agrupadas em empresas, sobre o quanto produzir, quanto consumir, quanto poupar, quanto investir. Essas pessoas vão tomando tais decisões de olho nas possíveis escolhas que as demais fazem, todas em busca de melhorar ao máximo sua própria vida.
É assim que as lojas vão pedindo para as fábricas os produtos que as pessoas queiram comprar, e as fábricas vão produzindo as coisas que as lojas esperam vender. As milhões de decisões vão são tomadas concomitantemente, influenciadas pelas expectativas quanto ao futuro e pelos acontecimentos do presente.
Uma vez que indivíduos e empresas tendem a possuir informações sobre suas próprias preferências melhores do que aquelas detidas por planejadores centrais, mercados costumam ser a melhor forma de organizar a economia. Desse modo, as empresas mobilizam os recursos – matérias primas, mão de obra, capital – detidos pelas pessoas, e as pagam por essa utilização. As pessoas, ao mesmo tempo, decidem ou o que comprar com tais rendimentos, ou o quanto poupá-los, na medida do possível.
Ainda que movidos por interesse próprio, esses agentes acabam cooperando voluntariamentee melhorando a situação da sociedade como um todo, pelo menos em âmbito material. A situação social de alguém pode estar difícil, mas pelo menos esse alguém não estará na situação de Robinson Crusoé (antes de encontrar Sexta-Feira). O famoso náufrago consome apenas o que ele mesmo pode produzir – o que não tem como ser muito, até porque ninguém é capaz de fazer tudo sozinho muito bem.
Falamos em mercados de alimentos, de roupas, de viagens de turismo, de automóveis e de residências. Uma vez que as empresas demandam os recursos produtivos pertencentes às famílias, também falamos em mercados de insumos: mercado de trabalho, mercado de matérias primas, mercado de capitais.
Os mercados financeiros são especiais – eles permitem às pessoas alterar seus padrões de consumo ao longo do tempo: consumir hoje, para pagar depois, ou poupar hoje, para gastar amanhã. Permitem também às empresas financiarem os investimentos que entenderem pertinentes, com base nas expectativas do lucro que esse capital a ser investido poderá trazer. O agente econômico com déficit de caixa recorre a empréstimos junto àqueles superavitários, viabilizados mediante a emissão de ativos financeiros.
Em tese, quem precisa de crédito poderia encontrar um poupador, e ambos poderiam celebrar contratos de mútuo entre si. Na prática, costumam recorrem a intermediários, justamente para reduzir os custos de realizarem tais transações. Nesse sentido, não é tão diferente assim de um supermercado ou mercearia, exceto pelo produto negociado – o dinheiro – e o preço desse produto, os juros que remuneram aquele que disponibiliza seus recursos a outro durante certo período.
Note que, nesse caso, ambos conceitos de mercado se tocam. Até pela sua relevância e por suas peculiaridades, esses mercados – conjunto de agentes tomadores e fornecedores de recursos financeiros – costumam se desenrolar em mercados – instituições – muito bem organizados. Basta lembrar de toda a estrutura que envolve o mercado de capitais, os mercados bancários, o mercado de seguros e a negociação dos títulos da dívida pública.
Observe ainda que todos esses mercados também são caracterizados por um grande de participantes, interagindo de forma constante para facilitar as trocas, normalmente utilizando-se de dinheiro como bem intermediário. As trocas, dessa forma, podem ser realizadas de forma relativamente impessoal – com as consequências positivas e negativas que resultam dessa mudança estrutural.
Reconhecer que mercados são instrumentos para se alcançar prosperidade material da sociedade, ou mesmo que sejam uma consequência naturaldas decisões dos indivíduos, não implica achar que eles, sozinhos, possam garantir o desenvolvimento econômico, nem resolver todos os problemas da sociedade.
Aliás, nem se deve esperar que o façam. Por mais proeminentes que sejam, mercados coexistem com outras formas de organizar transações: continuam funcionando as associações de ajuda mútua, as associações de caridade, as diversas interações sociais baseadas na troca de presentes, as cooperativas.
Além disso, deixados por sua conta própria e exclusiva, os mercados podem falhar. Para gerar seus benefícios, os mercados precisam de um conjunto de regras e de outras instituições. Há muito tempo a ciência econômica trabalha com os conceitos de falhas de mercado, discutindo-se apenas qual deve ser o tamanho ótimo da presença do governo na economia. Uma questão de “o quanto”, não de “sim ou não”.
Leonardo Romero é Auditor no TCU, graduado em Economia e mestre em Direito. Pode ser encontrado no Twitter.