Antipetismo e o fator Lula
Da Lava Jato ao Lula Livre, amor e ódio são elo comum no xadrez político
Monalisa Soares
monalisaslopes@gmail.com
O antipetismo tem prevalecido no debate político brasileiro nos últimos cinco anos. O desgaste acumulado ao longo de quatro mandatos consecutivos, a deposição de Dilma Rousseff (PT) e as consequências da Operação Lava Jato – aqui inclusas a condenação e a prisão de Lula – fazem com que o antipetismo seja entendido como um desdobramento dessa conjuntura.
O discurso de aversão ao PT vem se aprofundando desde a disputa presidencial de 2014. Foi reafirmado pela Lava Jato e chegou ao ápice nas eleições de 2018. Um dos elementos fundantes deste discurso foi o argumento de que o Partido dos Trabalhadores usou, e ainda usa, de todos os meios para se perpetuar no poder, tendo a corrupção como principal recurso.
O encolhimento do partido nas eleições municipais de 2016 e 2020, assim como sua derrota na disputa presidencial de 2018, serviram de evidência para que analistas políticos da academia, da mídia e agentes do campo político cravassem a “consolidação do sentimento antipetista” como elemento decisivo na escolha eleitoral.
Esse cenário indicaria, portanto, dois caminhos: a) O fim do PT, tantas vezes anunciado; ou, no mínimo, b) A indicação de uma quarentena prolongada, regada a autocrítica e tentativas de reposicionamento do partido.
Na academia, o antipetismo passa a ser objeto de estudos mais sistemáticos após 2014, quando há o aumento da rejeição ao partido no debate público. Samuels e Zucco, no relevante trabalho intitulado Partisans, Nonpartisans, and Antipartisans: Voting Behavior in Brazil (2018), ainda sem tradução para o português, ponderam que os sentimentos positivos e negativos em relação ao PT coexistem no eleitorado brasileiro desde os anos 80.
O antipetismo seria uma reação à identificação eleitoral com o PT e à constituição de uma imagem partidária consistente. Quanto à sua representatividade ao longo do tempo, a rejeição ao partido chegou a ser expressiva entre os anos de 2007 a 2010, no auge do lulismo, compatível com o percentual nas eleições de 2014. Não se trata, então, de fenômeno novo, mas que, na conjuntura recente, ganhou novos contornos com a Lava Jato e a crise do governo Dilma.
Do ponto de vista do petismo, o partido enfrentou a fragilização de sua narrativa e o descenso de seu ciclo político culminando com a desconstrução da imagem de sua principal liderança política. Os ataques a Lula comprometeram diretamente a imagem da legenda. A simbionte relação entre petismo e Lula é tema candente no debate público, geralmente perpassado pela questão sobre o quanto o líder é maior que o partido. A preponderância de Lula advém de seu potencial de mobilização e atração de eleitores não identificados com o petismo.
Nesse sentido, nos últimos anos, os esforços políticos do PT voltaram-se prioritariamente para a defesa do legado de Lula: a denúncia de perseguição por parte da Operação Lava Jato, a decisão de inscrevê-lo como candidato para defender seus governos e a campanha “Lula Livre”. Todas as decisões foram tomadas considerando o fator Lula, o que obviamente gerou repercussão e crítica em função da dependência da memória do lulismo e de sua liderança fundadora.
Para alguns, essa postura monotemática parecia indicar a capitulação à tese da quarentena prolongada do partido. Para outros, era justamente a confirmação do declínio petista resumida no chavão “deu o que tinha de dar”. Afinal, como entender a estratégia de apostar todas as fichas na defesa de um líder político condenado por corrupção e inelegível?
Mas eis que, na última semana, fazendo-nos lembrar que na política o imponderável não pode ser desconsiderado, testemunhamos uma reviravolta no cenário com a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou as sentenças condenatórias de Lula pela Lava Jato, restituindo sua elegibilidade. O retorno do líder petista ao tabuleiro eleitoral se fez sentir imediatamente no jogo político.
Para além da repercussão entre lideranças políticas, cabe destaque seu efeito mobilizador na sociedade. Pedro Barciela, analista de redes sociais, afirmou que no dia da decisão ocorreu uma “mobilização histórica” no Twitter: “[Foram] mais de 900 mil conexões em menos de quatro horas. São mais de 70% de usuários que não citam Lula regularmente. […] A mobilização espontânea por Lula nas últimas horas é algo histórico”. O PT, por sua vez, registrou aumento na procura por filiações após o pronunciamento realizado por Lula dois dias após a decisão.
O retorno de Lula ao jogo atingiu, ainda, o governo, que, diante de um opositor com capacidade de mobilização, precisou fazer alguns gestos, ainda que controversos, sobre a situação calamitosa do país. Em um único dia, Bolsonaro usou máscara e assumiu discurso pró-vacina.
Apesar das expectativas, não há como prever de antemão, o papel e o resultado da presença de Lula no processo de 2022. Fato é que a sua presença e a de seu partido são um elemento estruturador de sentimentos políticos, positivos ou negativos, como vimos. De todo modo, no quadro político atual, os últimos acontecimentos não deixam dúvidas: a capacidade de liderança e mobilização do líder petista podem trazer consequências substanciais à disputa em favor da oposição.
Monalisa Soares é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM) com ênfase em campanhas eleitorais, gênero e análise de conjuntura. Está no Instagram.