Bemdito

Arranjos políticos e o tabuleiro no Ceará para 2022

Em tempos de especulações em alta, como oposição e governo calculam e organizam rotas para as eleições que virão
POR Monalisa Soares
Foto: Reprodução

A temporada de especulações sobre o pleito eleitoral de 2022 no Ceará segue a todo vapor. Os resultados das disputas municipais do ano passado delinearam alguns marcos no tabuleiro político. Vejamos, então, como oposição e governo calculam e organizam rotas para as eleições que virão.

Nas disputas de 2020, o principal grupo que se organiza como oposição ao governador Camilo Santana e aos Ferreira Gomes ampliou sua força através da conquista do comando de cidades relevantes do Estado, como Caucaia, Juazeiro do Norte e Maracanaú. Além disso, a principal liderança, Capitão Wagner, obteve sua melhor performance diante de um candidato governista na disputa pela Prefeitura da capital, sendo derrotado por Sarto Nogueira por uma diferença de apenas 3,38%.

As conquistas nos municípios citados e a disputa bastante competitiva em Fortaleza entusiasmaram as lideranças oposicionistas, que consideram ter galvanizado um grupo político com capacidade de fazer frente ao domínio estabelecido no Estado. Soma-se a isso outro aspecto relevante: os oposicionistas do Ceará são alinhados politicamente com o presidente da República. Assim, os líderes da oposição compreendem que a força retirada das urnas em 2020 e o alinhamento/apoio do governo federal podem impulsioná-los no projeto para o governo do Estado em 2022.

Em sua última visita ao Ceará, em 13 de agosto, Bolsonaro ofereceu seu beneplácito ao pré-candidato ao governo, Capitão Wagner, chamando-o de “velho companheiro” e afirmando: “eu tenho certeza que, assim como o Brasil tem um capitão, o Ceará terá brevemente um capitão também”. Após a referência a Wagner, o presidente mirou as críticas no principal adversário no Estado, Camilo Santana, qualificando de criminosas as medidas sanitárias adotadas pelo governador durante a pandemia.

Em pesquisa divulgada, Capitão Wagner surge em vantagem sobre os concorrentes na maior parte dos cenários especulados para a disputa do ano que vem. O oposto ocorre com Bolsonaro, que é retratado em segundo lugar na preferência eleitoral do Estado, bem atrás, com menos da metade das intenções de voto, do ex-presidente Lula. É aqui que reside, a meu ver, um desafio da oposição no Ceará: sua associação com o presidente.

Tal alinhamento em termos simbólicos e de imagem, pelo cenário atual, é mais vantajoso para Bolsonaro, que pode passar a ter um palanque forte no Estado através de um candidato a governador com recall, abrindo-lhe possibilidades de buscar novas adesões. Já para Capitão Wagner, a situação pode ser mais complexa, pois a depender das condições de popularidade do presidente, que já não são tão positivas no Ceará, ele terá que lidar com uma campanha negativa que o associa a Bolsonaro, como ocorreu na disputa pela Prefeitura de Fortaleza.

A despeito do avanço da oposição, é importante destacar que o grupo político dominante liderado pelos Ferreira Gomes conseguiu preservar as duas cidades mais relevantes (Fortaleza e Sobral), além de ampliar quantitativamente o número de municípios sob seu domínio (indo de 51 em 2016 para 67 em 2020). Os governistas mantiveram, portanto, sua força institucional e sua capacidade de articular lideranças, aspectos centrais num processo eleitoral competitivo como se espera de 2022.

O principal desafio do grupo Ferreira Gomes envolve os dilemas enfrentados pelos ciclos políticos longevos. Após sucessivos anos de domínio político, além de enfrentar questões conjunturais (como uma pandemia, por exemplo), o grupo político viu os desgastes se anunciarem em termos simbólicos, no que se refere à imagem de algumas lideranças políticas mais identificadas com o grupo.

Nas eleições de 2020, pesquisas mostraram rejeição (53%) do eleitorado da capital quando mencionado o apoio de Ciro Gomes a um candidato. A situação mudava quando o patrono citado era Camilo Santana, nesse caso, a rejeição reduzia drasticamente. A dependência governista da popularidade do governador se mantém para a disputa de 2022. Em entrevista de 17 de agosto, o senador Cid Gomes afirmou que, de acordo com as pesquisas contratadas pelo PDT, quando o eleitorado é instado a se posicionar em cenários que os candidatos são apresentados com o apoio de Camilo Santana, todos os candidatos do grupo vencem Capitão Wagner.

Tais dados evidenciam que o governador é peça central para a construção de uma candidatura competitiva pelos governistas. Cabe destacar que, não somente para a candidatura local, a centralidade de Camilo Santana na estratégia do grupo vai além: tem implicação nas condições de sucesso ou fracasso da candidatura presidencial de Ciro Gomes no Estado, especialmente, se considerarmos os dados de pesquisa divulgada para presidência, no Ceará, que colocou o ex-ministro na terceira colocação.

Os elementos recompostos aqui nos indicam grandes chances de retorno da competitividade na disputa estadual de 2022. Até a definição das candidaturas e formalização de alianças, os grupos terão muito trabalho político. Afinal, não faltam dilemas a resolver envolvendo desde a transferência de capital político até a acomodação entre os projetos/interesses coletivos e individuais.

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.