Bolsonaro & Associados LTDA
Na busca pela pátria dos sonhos, Bolsonaro e seus seguidores lançam o Brasil em um pesadelo de tragédia e desprezo
Jáder Santana
jaderstn@gmail.com
Não portavam máscaras os dez patetas que formaram a trupe oficial brasileira em missão diplomática para Israel nos registros em imagem e vídeo divulgados por Eduardo Bolsonaro e Ernesto Araújo no último sábado, 6. Sorrisos contidos, exibiam, em solo nacional, a segurança de quem conhece a impunidade e os labirintos do compadrio. Por uma trama algo cabalística, chegaram ao destino devidamente mascarados. Lá estão, em foto divulgada pela conta do Itamaraty no Twitter, com metade dos rostos cobertos.
Nada de novo. São os mesmos que prestavam continência para a bandeira norte-americana – o pretérito imperfeito veio a galope com a eleição de Biden -, e que são patriotas apenas quando o motor desse patriotismo é representante ou derivado direto de uma tradição que enleva o colonizador, o macho e o branco. O Brasil que poderia ter sido e que não foi. Um Portugal tropical. Quantas vezes, afinal, vimos os viventes da barra aplaudindo manifestações de raiz africana? Como bem disse o volátil editor responsável pelos livros de Olavo de Carvalho, são patriotas da pátria alheia.
E em um país cada vez mais aquinhoado por condomínios residenciais aos moldes do famosíssimo empreendimento da Barra da Tijuca, não é de estranhar que a ideia de pátria tenha sofrido um processo de gradativa síntese. O nacionalista deste 2021 é o empregado do mês naquelas grandes empresas comandadas por véios-da-havan patéticos e sem graça: aguentam baixos salários, abuso verbal e ambiente tóxico porque foram levados a acreditar, por coachs quânticos e psicólogos associados, que bom mesmo é vestir a camisa da empresa.
O novíssimo patriota, que é na verdade tão velho quanto a ideia de pátria, é aquele que aguenta mandos, desmandos, perdigotos, assassinos de aluguel, fraquejadas, boiadas passantes, acordos com o centrão, laranjas, fogos contra o STF, bonecos de Tony Montana, fake news, pôster de AI5, ameaças de fuzilamento, roupa de gala em vitrine, 260 mil mortos, rachadinha, lavagem de dinheiro, falta de oxigênio, mansão de R$ 6 milhões, nepotismo, golden shower, exonerações, não-estupro-porque-é-feia, ameaças, constrangimentos, falta de porrada no filho gay e funcionários-fantasmas. Vestem a camisa da Bolsonaro & Associados LTDA sem perceber que são subtraídos em tenebrosas transações.
Talvez percebam. Devem perceber. Não é possível que sejam tão estúpidos, pobres panglossianos a repetir o mantra de que vivemos no melhor de todos os mundos possíveis. Entre 211 milhões de brasileiros, temos 30% que fariam Voltaire reescrever sua sátira principal para incluir entre as viagens de Cândido uma parada na calçada da Fiesp, outra na Praça Portugal, e outra mais na distinta sala de jantar de Rosângela Moro. No último capítulo, descobriríamos que ao invés de aprender a cultivar seu jardim, o protagonista escolheu pisotear as flores dos outros.
Os dez patetas estavam mascarados quando desembarcaram em Israel. Mas o teatro não funcionou. Por determinação oficial, tiveram sua agenda de visitas quase totalmente reduzida ao trajeto entre quarto, banheiro e espaços de lazer do caríssimo hotel em que ficaram hospedados. Nossos voos não podem aterrissar em pelo menos dezessete destinos – somos o segundo país com mais restrições no exterior para entrada de viajantes. A trupe bolsonarista retornará em breve. Os 300 mil não demoram a chegar. A porteira está escancarada, a boiada corta nosso caminho. E nós, recolhidos em respeito à ciência e às vidas perdidas, entramos na fila para receber a camisa de funcionário do mês.
Jáder Santana é jornalista e editor do Bemdito. Está no Instragam e Twitter.