Ciladas da polarização e os dilemas da terceira via
Na semana passada, esta coluna foi publicada na data em que ocorriam as manifestações convocadas pelo presidente em apoio a seu governo. Naquele momento, busquei, na medida do possível, não mergulhar na pauta que dominou as interações e notícias. O fiz, fundamentalmente, porque o que mais me interessava no processo eram os seus desdobramentos.
O enredo dos atos era, em geral, bastante conhecido. Evidentemente, havia temor sobre a potencial violência e radicalização, especialmente por uma possível participação de “caravanas de policiais” e militares. As cenas da noite de segunda, 6, em Brasília também geraram apreensão. Fora isso, no entanto, o teor dos discursos do presidente era mais do que esperado. A dúvida que pairava era sobre o tom que Bolsonaro empregaria.
No dia 7 de setembro, o que vimos foram atos que mostraram a resiliência da base de apoio do presidente. Os milhares de manifestantes que estiveram especialmente em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo contribuíram para pavimentar a evidência de que, ainda que as pesquisas de opinião demonstrem que sua popularidade está naufragando, Bolsonaro segue com capacidade de mobilização de um segmento de eleitores fidelizados e aparentemente dispostos a segui-lo novamente rumo a 2022.
Ainda que se destaque que as manifestações foram menores do que o esperado, demarcando o enfraquecimento do presidente (o que não deixa de ser um fato), eu enfatizaria que seu tamanho também não deve ser desconsiderado em virtude de tudo que ocorreu no último ano e meio pelo menos (pandemia, desemprego, inflação).
Tratando dos desdobramentos, voltei minhas reflexões para o tabuleiro de 2022 e para o impacto para a terceira via. Mencionei anteriormente que a melhor oportunidade para as candidaturas deste campo adviria do enfraquecimento do presidente. Não por acaso, com o avanço da CPI e dos escândalos dela decorrentes, vimos a ampliação da competitividade com a emergência de novos nomes além dos conhecidos (vide Rodrigo Pacheco, Alessandro Vieira e Simone Tebet).
Ao colocar seu bloco na rua, Bolsonaro sugeriu que tirá-lo da presidência ou de uma vaga da disputa de 2022 não será tarefa simples. Não por acaso, parte da terceira via que ainda não estava convencida da saída pelo impeachment se pronunciou sobre o assunto: no mesmo dia 7 de setembro, PSDB e PSD anunciaram, através de seus presidentes, que engrossariam a discussão.
A decisão, provavelmente, foi orientada pela expectativa de que as falas do presidente gerariam forte comoção institucional. Não contavam, no entanto, que em poucos dias Bolsonaro baixaria a temperatura lançando cartas e propondo trégua em sua contenda com o STF.
Depois do recuo
Diante do recuo presidencial, os tucanos decidiram firmar-se como oposição ao governo e iniciar a discussão sobre os “eventuais crimes de responsabilidade do presidente”. Já no PSD, foi criada uma Comissão para acompanhar as discussões sobre o impedimento e subsidiar a posição do partido sobre o apoio ou não à deposição.
Além do debate sobre o impeachment, atores da terceira via se mobilizaram, na última semana, em torno da organização de atos contra o presidente Bolsonaro realizados no domingo, 12 de setembro. Convocadas pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e pelo Vem Pra Rua, as manifestações tiveram adesão de setores das oposições de esquerda e direita que se empenharam em mobilizar a sociedade para o comparecimento aos atos.
Cabe destacar também os conflitos ocorridos pela recusa de petistas e outros setores de esquerda em participarem devido ao mote “nem Lula, nem Bolsonaro”. O slogan circulou inicialmente em muitas chamadas para participação nos atos. Em face das dissidências, houve a tentativa de desfazer esse tom, associando as manifestações à frente ampla antibolsonarista.
No entanto, apesar dos discursos das lideranças políticas, a paisagem iconográfica dos atos não deixou dúvida: o mote “nem, nem” dominou o dia 12/09. A presença expressiva de presidenciáveis associados à terceira via somados aos cartazes e outros símbolos de rechaço à “polarização” amplificaram a associação das manifestações a este campo.
Se, de um lado, as manifestações poderiam servir de ensaio para uma organização social da terceira via, de outro, a baixa adesão, mesmo entre eleitores desse campo, e especialmente quando comparadas aos atos de apoio ao presidente, impõe sinal de alerta.
De definitiva, temos a data para as eleições lembrada por Lira em seu pronunciamento: outubro de 2022. Até lá, a terceira via precisa lidar com seus dilemas: a pulverização de candidaturas, todas com baixo percentual de intenção de votos, o que, por sua vez, dificulta a unificação em torno de um nome que demonstre viabilidade inequívoca. Para essas pré-candidaturas, o grande desafio segue sendo a areia que escorre pela ampulheta.