Ciro Gomes e a aposta à direita
Há quem veja incoerências nas ações de Ciro Gomes (PDT), pré-candidato à presidência da República em 2022. Análises que tomam esse caminho perdem de vista aspectos fundamentais do jogo político – a saber, a capacidade de adaptar-se à conjuntura. Maquiavel denominou essa capacidade de virtú.
Segundo a perspectiva maquiaveliana, a “fortuna”, para bem ou mal, refere-se à imprevisibilidade. Para dominá-la, o príncipe (governante) não deve esperar pela “sorte”, mas, diante de situações imprevisíveis, deve se adaptar e demonstrar habilidades (virtú) no jogo político para tomar as melhores decisões, a fim de obter os melhores resultados (fortuna).
O encolhimento do PSDB nas eleições de 2018 (que perdeu espaço como força aglutinadora à direita), a vitória de Jair Bolsonaro (um presidente de extrema-direita), a pandemia da Covid-19 e o retorno de Lula como nome competitivo no cenário eleitoral para 2022 são acontecimentos que poderíamos enquadrar no campo da imprevisibilidade.
Qualquer ator político com pretensões ao Palácio do Planalto sabe que precisa considerar essas – e outras – variáveis no seu cálculo político. Com Ciro Gomes, não poderia ser diferente.
Desde 2018, Ciro mobiliza esforços para construir um grande arco de alianças e se colocar como “terceira via”. No Ceará, os governos Cid Gomes já demonstraram a viabilidade dessas grandes frentes suprapartidárias e implementaram um modelo de gestão que combina ampliação de investimento público com equilíbrio fiscal.
Por isso, na última eleição presidencial, o pedetista insistiu na importância de uma composição com DEM e PSB, embora essas alianças não tenham se realizado.
Essa estratégia foi retomada em 2020, momento no qual o PDT, na figura de Ciro Gomes, experimentou composições em diferentes estados com legendas dos mais variados matizes ideológicos. As mais bem sucedidas foram na Bahia, com a vitória de ACM Neto (DEM-PDT), e em Pernambuco, com a eleição de João Campos (PSB-PDT).
Embora o Nordeste tenha sido a região onde o PDT teve mais sucesso, não conseguiu deslocar o PT como polo galvanizador da esquerda. As eleições de 2020 demonstraram a força de outros atores políticos do campo da esquerda e a resiliência do PT.
Os esforços em fugir da polarização petismo-antipetismo/bolsonarismo – que tem marcado os embates políticos desde 2018 – e em se consolidar como terceira via explicam também os motivos de sua (sempre lembrada) “viagem a Paris”, no final do primeiro turno de 2018.
A escalada de críticas ao “lulopetismo”, como Ciro costuma dizer, vem marcando suas falas e aparições públicas desde que Lula retornou ao cenário político como alternativa competitiva a Bolsonaro, como atestam diferentes institutos de pesquisa.
Aliás, esses mesmos institutos de pesquisa indicam que Lula tem chances reais de chegar ao segundo turno. O que tem levado o ex-presidente a fazer movimentações importantes para compor com legendas de centro, a fim de viabilizar uma candidatura petista em 2022.
Diante da dificuldade de deslocar o PT do campo da esquerda, PDT e Ciro tentam uma nova estratégia. Desta vez, pela direita.
Ciro Gomes tem investido em aproximações com o DEM e adotou forte discurso antipetista. Mais recentemente, Ciro dobrou a aposta e passou a defender bandeiras mais identificadas ao campo da direita bolsonarista, a exemplo do “voto impresso auditável”.
(Caro(a) leitor(a), quero deixar claro que o que me interessa neste artigo não é avaliar positiva ou negativamente as escolhas de Ciro Gomes, essa tarefa deixo a você. Apenas proponho lançar luz sobre os porquês de suas escolhas).
O desastre na condução da pandemia, a CPI da Covid e o aumento da rejeição a Bolsonaro são variáveis que passaram a ser consideradas no cálculo de Ciro Gomes.
Ao que tudo indica, Ciro aposta no derretimento do presidente Bolsonaro. Diante dessa possibilidade, busca se colocar como alternativa não apenas para os eleitores moderados que fogem da polarização petismo-antipetismo/bolsonarismo, mas também para os eleitores que se acham órfãos de uma candidatura à direita que não seja Bolsonaro.
Os institutos de pesquisa apontam Lula como certo no segundo turno. Resta a Ciro então concorrer como opção mais à direita. Esse é o caminho que ele tem trilhado: tirar Bolsonaro do segundo turno e se viabilizar como alternativa ao PT.
A estratégia é arriscada, mas inteligente. O difícil será saber se a virtú de Ciro Gomes conquistará a cornucópia da “fortuna”. Mas isso só o tempo dirá.