Como chegamos até aqui?
CPI da Pandemia permite cobrar respostas para questões que afligem todos os brasileiros
Alex Mourão
alex.mourao5@gmail.com
Em diversas ocasiões, membros do governo federal se valeram da passagem bíblica que fala “conhecereis a verdade e ela vos libertará” (João 8:32). Pois bem, como tendo seus pedidos atendidos, essa semana começou a funcionar em Brasília a Comissão Parlamentar de Inquérito que irá apurar as condutas do governo no combate à pandemia. É uma CPI que, antes mesmo de sua instauração, já foi marcada por um intenso debate público.
É fundamental entender minimamente os mecanismos de funcionamento dessa forma que o Legislativo dispõe para fiscalizar as ações do Poder Executivo e, também identificar problemas e propor soluções. Entender quais são os poderes e quais os resultados que podem surgir é exercício de cidadania. Quanto mais conhecermos sobre as atividades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mais poderemos desempenhar nosso importante papel de cidadão que acompanha e fiscaliza.
Antes mesmo do início dos trabalhos, a CPI já foi marcada por polêmicas. Diante da inércia da presidência do Senado Federal em instalar seus trabalhos, os senadores buscaram o STF, por meio de mandado de segurança com pedido liminar. Em 14 de abril último, foi referendada a decisão liminar determinando a instauração da CPI.
Quando o assunto foi judicilaizado, de um lado o grupo de senadores apontava que tinha o direito de instalar a CPI e começar os trabalhos. De outro lado, o governo insistia que a judicialização era interferência do Judiciário sobre o Legislativo.
Uma democracia não é a vontade da maioria unicamente, se assim fosse não existiria pluralidade, o que existiria seria a imposição do pensamento do lado político vitorioso na eleição, que poderia, inclusive, alegando a tal vontade da maioria, atentar contra os interesses das minorias. Democracia é mais que isso e o nosso sistema permite a possibilidade da participação das minorias no jogo político, inclusive, por meio de CPIs. É o caso.
Em sua decisão, o Supremo Tribunal Federal reiterou o seu entendimento de que os requisitos para a abertura dos trabalhos da CPI são 1/3 das assinaturas dos membros da casa legislativa, no caso o senado, objeto determinado e prazo para a apuração. Logo, não cabe aqui qualquer análise de oportunidade ou conveniência política do presidente do senado. Satisfeitas as condições, o presidente do senado deve instaurar os trabalhos. Esse entendimento não comporta qualquer novidade como quer fazer parecer o governo federal. Inclusive, de leitura clara no artigo 58, § 3º, da Constituição.
Nesse debate foi levantado até uma falsa simetria dos fundamentos para abertura de processo de impeachment e trabalhos de uma CPI. A relação entre esses dois institutos é diferente. No caso da CPI, não cabe análise política uma vez satisfeitos os requisitos.
A Comissão Parlamentar de Inquérito é uma forma de exercício democrático da minoria parlamentar, tanto que é preciso apenas um terço dos membros da Casa Legislativa. A minoria dos membros do parlamento não pode ter seus trabalhos de apuração barrados pela maioria ou mesmo pelas relações políticas do presidente da casa legislativa. Democracia deve ser exercitada de forma ampla.
A comissão, ao longo de seus trabalhos é dotada de poderes investigatórios, em alguns momentos se assemelhando até mesmo com o Poder Judiciário. Entre esses poderes, a comissão pode determinar quebra de sigilo fiscal e bancário, pode colher depoimentos de autoridades, requerer informações e documentos e até mesmo determinar prisão, desde que em flagrante delito.
Porém, a Comissão não tem poder de aplicar punições ou qualquer condenação. Ao final dos trabalhos, como reza a constituição, dependendo das suas conclusões, se for o caso, os resultados serão enviados ao Ministério Público para análise e a promoção do que entender enquanto responsabilidade civil ou penal dos infratores.
Compreendidas essas características que envolvem o processo de abertura dos trabalhos de uma CPI, fica mais fácil para entender os receios do governo federal. Também torna-se possível desmistificar muita desinformação cujo intuito é apenas obnubilar todo o trabalho que tem como objetivo exatamente o contrário: lançar luzes sobre a atuação do governo na maior crise sanitária de nossa geração.
A CPI é importante e deve esclarecer ou pelo menos apontar os caminhos que possam responder a uma pergunta que está martelando na cabeça de todos e todas que perderam alguém: como chegamos até aqui?
Por fim, a verdade nos libertará?
Alex Mourão é professor universitário. Está no Instagram.