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A CPI da Pandemia inicia os trabalhos (e o governo tem medo)

Senado Federal inicia os trabalhos da CPI da Pandemia com maioria independente no colegiado e um opositor político na condução dos trabalhos
POR Juliana Diniz
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Senado Federal inicia os trabalhos da CPI da Pandemia com maioria independente no colegiado e um opositor político na condução dos trabalhos

Juliana Diniz
julianacdcampos@gmail.com

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia será finalmente instalada no Senado Federal. Às dez horas da terça-feira, 27, iniciam-se os trabalhos investigativos de uma das casas do Parlamento, que deve avaliar como o Executivo federal conduziu os trabalhos na pasta da Saúde durante a pandemia da Covid-19.

Se tudo acontecer como previsto, o senador Omar Aziz (PSD-AM) será eleito presidente pelos integrantes da Comissão e Renan Calheiros (MDB-AL) assumirá a relatoria. 

É na relatoria que estão concentrados os principais poderes. O relator dá o ritmo da condução dos trabalhos, tendo o poder de transformar a comissão em um poderoso mecanismo de pressão do governo, e Jair Bolsonaro sabe bem disso.

A prova é o esforço que tem empreendido para inviabilizar a relatoria de Calheiros, um antagonista político com influência e uma boa bagagem de experiência política nas costas. O senador já deu a entender que o tom da CPI será de oposição, o que explica o tresloucado movimento de Carla Zambelli (PSL-SP), ao promover ação judicial para impedir que o Renan Calheiros comece os trabalhos no posto.

A deputada encontrou um juiz para chamar de seu: Charles Renaud Frazão de Moraes, juiz federal no DF, concedeu uma liminar absolutamente problemática, proibindo o senador de participar de eleição para escolha do relator. As deficiências da decisão saltam aos olhos: falta competência para um juízo singular de primeira instância interferir em assunto interna corporis do Legislativo e a indicação do relator compete ao presidente da CPI, inexistindo eleição para o cargo.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já declarou que a decisão será solenemente ignorada, e Omar Aziz, em entrevista, afirmou que a Justiça precisa cuidar dos seus órgãos de correição para evitar que novos episódios como esse se repitam. A mensagem dos senadores é bastante clara: para ter autoridade, o Poder Judiciário e suas decisões precisam guardar um mínimo de racionalidade, esforço de sentido, respeito aos aspectos mais básicos de aplicação do Direito.

A decisão deverá perder seus efeitos nas próximas horas e entrará para o rol de exemplos esdrúxulos de partidarização da Justiça. Mais do que ativismo, a decisão é marca da instrumentalização das instituições para perseguição política e frustração dos procedimentos constitucionais.

Renan Calheiros sabe bem como dizer ao Judiciário que ele ultrapassou os seus limites. Basta lembrar de episódio em 2016, em que o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio o afastou, por decisão liminar e monocrática, da presidência do Senado. Calheiros acabara de se tornar réu em ação penal e Mello considerou que o senador não poderia ocupar a presidência da casa legislativa. A decisão foi uma interferência difícil de ser explicada, juridicamente frágil por falta de previsão legal para o que foi visto como simples violação à separação de poderes. 

O resultado? A medida foi ignorada pelo Legislativo e o plenário do STF foi obrigado a voltar atrás, não referendando a liminar de Marco Aurélio. 

Por tudo isso, Bolsonaro e sua equipe devem se preparar – afinal de contas, o próprio governo já preparou a lista dos erros que foram praticados pelo Ministério da Saúde ao longo da pandemia. A lista é extensa, e arrola faltas que vão do genocídio da população indígena à militarização de uma pasta eminentemente técnica.

O episódio é curioso, quiçá mais uma prova de amadorismo e burrice: quem já viu o réu trabalhar ativa e espontaneamente para facilitar o trabalho da acusação?

Juliana Diniz é editora executiva do Bemdito, professora da UFC e doutora em Direito pela USP. Está no Instagram e Twitter.

Juliana Diniz

Editora executiva do Bemdito. É professora do curso de Direito da UFC e Doutora em Direito pela USP, além de escritora. Publicou, entre outras obras, o romance Memória dos Ossos.