Bemdito

De Lázaro a Belford Roxo: o sucesso da polícia

O problema que conecta você, pessoa branca, ao caso Lázaro, aos meninos desaparecidos no Belford Roxo e à polícia
POR Jamieson Simões

Eu gostaria de saber como os brancos vivem. É isso. Gostaria de saber como é a experiência de andar pela cidade sem medo, entrar nas lojas e ser bem atendido, passar por uma viatura da polícia sem fazer um checklist mental para se certificar de que está com todos os documentos no bolso ou recordar se está portando alguma coisa que possa ser interpretada como perigosa ou ilícita. Entendo como os filhos e as filhas de vocês, brancos e brancas, caminham com um certo garbo, uma superioridade inata. Penso até que os filhos de vocês são imortais, nunca vi uma mãe branca e rica chorando a morte do filho assassinado pela polícia.

Tá passada? Tem mais. Um menino chamado Juan Ferreira dos Santos estava numa batalha de rima, um encontro da cultura hip hop, lá no Mirante do Mucuripe. Uma guarnição da Polícia Militar do Estado do Ceará aparece para dispersar os meninos (ainda não havia pandemia, mas aos pobres sempre foi proibido estar juntos). Um soldado empunha a arma municiada, alimenta a câmara, enquadra alça e massa de mira, destrava a arma e dispara. Tiro certeiro na nuca de um menino negro. O policial alega que foi agredido a pedradas e atirou no chão e, após uma semana, já estava trabalhando na mesma área em que matou o menino. Juan tinha apenas 14 anos.

O espetáculo bestial do caso Lázaro (o assassino de aluguel do agronegócio de Goiás) e a celebração da ilegalidade por policiais, que, depois de alvejarem 125 vezes, jogam o corpo inerte numa ambulância e comemoram mais uma morte, são a caricatura da polícia brasileira: homens treinados, armados, a serviço do Estado, para matar. Aqui no Ceará, a polícia, que deveria proteger e servir, matou 52 pessoas de janeiro a abril de 2021. Somente no mês de janeiro, foram 20 pessoas mortas pela polícia cearense.

Em todo o Brasil, a práxis da polícia é a mesma. Treinada para matar uma população muito específica formada por homens e mulheres jovens que vivem nas periferias dos grandes centros urbanos. Os tiros agrupados no peito ou na cabeça atestam a eficácia do treinamento. Aqui não tem pra “bala perdida”. O problema é que a polícia é muito eficaz naquilo que ela foi criada pra fazer: matar.


Se você acha que é meu exagero, tente lembrar quando foi que a polícia arregaçou um corpo branco na Beira-Mar de Fortaleza? Quando foi que um morador do Leblon levou um esculacho da PMRJ? Quando foi que um corpo branco sumiu e não foi encontrado? Lembra-se do caso dos meninos de Belford Roxo? Faz 6 meses que estão desaparecidos. A mesma polícia que sobe o morro lá e aqui e desce com sacos de cadáveres é inábil para executar uma investigação que dê resposta ao sumiço de 3 crianças negras.

Esse problema é seu. Para garantir o seu privilégio branco, a polícia criou um inimigo com a minha pele. E todos os dias uma mãe preta periférica chora a morte do filho. Quando for ao shopping nas próximas compras, aproveita e compra um coração que se importe. Esse problema é seu e não tem ansiolítico que faça essa tensão sumir. Esse problema é seu.

Jamieson Simões

Pesquisador em juventude e violência, é assessor do Comitê Cearense de Prevenção à Violência da Assembleia Legislativa e mestrando em sociologia na UFC.