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ESG: estratégia de marketing ou mudança de paradigma?

Sigla que tem figurado nos meios de comunicação, ESG propõe o envolvimento da sociedade, das empresas e do governo
POR Carolina Cordeiro

Sigla que tem figurado nos meios de comunicação no Brasil e no mundo, ESG propõe o envolvimento da sociedade, das empresas e do governo

Carolina Cordeiro
carolcordeiroc@gmail.com

Desde a publicação da famigerada carta do presidente da Black Rock, Larry Fink, ao mercado, defendendo o que ele chamou de “uma mudança estrutural nas finanças”, a sigla ESG (Environmental, Social and Governance) – ou ASG (Ambiental, Social e Governança) – tem figurado diariamente nos meios de comunicação no Brasil e no mundo. O movimento ganhou força em decorrência do aumento do interesse da sociedade por produtos de baixo impacto e pela pressão social para que as empresas adotem práticas sustentáveis.

A pandemia do novo coronavírus também ajudou a descortinar fatos ambientais e sociais de importância global que contribuíram para a aceleração desse movimento pró-ESG. Questões como a segurança alimentar, as mudanças climáticas e o uso dos recursos naturais são propulsores desse movimento – que sinaliza a cada dia que as empresas que não alinharem os planos de crescimento aos compromissos ESG – estão fadadas a um futuro nada promissor.

Dessa forma, o que estava restrito a uma “mera estratégia de marketing” agora passou a fazer parte de toda a estrutura gerencial das empresas, com a adoção de metas e métricas relacionadas às boas práticas ambientais, sociais e de governança, que chega até o mais alto escalão das corporações.

Mas, afinal, o que é ESG?
Na prática, ESG é uma forma de avaliar as ações e o comportamento das empresas em relação ao meio ambiente e à sociedade, com foco nos objetivos coletivos. Tudo isso é incentivado, controlado e direcionado por práticas de governança corporativa. Ao mesmo tempo, ESG também avalia como os impactos dessas ações podem conduzir os riscos de negócio ou de investimento, ajudando a direcionar as ações em sustentabilidade.

Dessa forma, entregar um produto atrativo e de qualidade não é mais suficiente. O consumidor quer saber se esse produto agrega algo para a sociedade, sem visar unicamente o lucro. O produto ou o serviço precisam agregar valor aos colaboradores, à população e ao planeta. Precisa ter outros propósitos.

Diversidade, igualdade de gênero, redução das diferenças salariais e inclusão social são alguns dos temas que vêm ganhando espaço no mundo corporativo. Estudos já sinalizam que empresas que investem na diversidade são mais inovadoras e crescem mais rapidamente. Assim, a empresa aumenta a capacidade de competir no mercado e entregar lucros mais perenes. É o que muitos têm chamado de capitalismo verde, uma forma de aliar a rentabilidade das companhias ao significado e ao propósito para todos.

Desde o início do ano passado, o mundo tem observado movimentos animadores de grandes empresas e países direcionando suas estratégias de gestão a um novo padrão de sustentabilidade: a Tesla, empresa de carros elétricos, tornou-se a segunda montadora de automóveis mais valiosa do mundo; a Black Rock anunciou que vai direcionar seus investimentos a fundos com critérios ambientais, sociais e de governança sólidos; a JBS, figurando no ranking global de sustentabilidade e, juntamente às empresas como Pepsico e IBM, bem como a países como a China e Canadá, passando a divulgar metas ambiciosas de redução das emissões de gases de efeito estufa.

Mudanças de paradigma ou estratégia de marketing?
Mas será que esses movimentos representam de fato uma mudança na forma de pensar e praticar sustentabilidade?

Bem, parece que sim. O mercado tem observado um crescimento relevante nas vendas de produtos sustentáveis e o surgimento de novos negócios verdes que estão transformando o mercado e as listas mundiais de empresas mais rentáveis e também de novos bilionários.

No entanto, é preciso ter atenção em relação ao que se apresenta de fato como uma mudança profunda na estrutura do negócio da empresa e o que é greenwashing. Ou seja, é preciso diferenciar o que representa uma transformação estrutural (afinal, ESG também é comportamento) e o que é uma “bela pintura verde”, que serve apenas para aumentar os preços na gôndola do supermercado.

No Brasil, temos exemplos bastante marcantes de como a gestão ESG pode impactar o desenvolvimento econômico de um país e as finanças das empresas. Recentemente, o país foi indicado no ranking ambiental, social e de governança do Banco Mundial como um dos mais vulneráveis, com destaque negativo para o cumprimento das regras ambientais. O resultado sinaliza a precária política ambiental do atual governo, que tem trazido prejuízos políticos e econômicos relevantes para o país, uma vez que esses indicadores podem ser usados para reverter acordos comerciais, ocasionar o rebaixamento da classificação do risco Brasil e, consequentemente, diminuir o fluxo de capital estrangeiro no país.

Um exemplo desse impacto é o acordo comercial entre o Mercosul e União Europeia, que, após o anúncio de sua assinatura, em 2019, encontra-se paralisado, em grande medida, pelas constantes críticas internacionais à política ambiental do atual governo. No âmbito empresarial, um exemplo recente é o do Carrefour. Após a morte de João Alberto Silveira Freitas por seguranças de uma das lojas da rede, em Porto Alegre (RS), no final do ano passado, a empresa perdeu cerca de 2 bilhões em valor de mercado no Brasil. Casos desse tipo põem em xeque as ações da empresa em relação aos pilares social e de governança, impacta negativamente as lideranças e aumenta o risco reputacional da companhia.

Diante desses cenários negativos, tanto o Brasil como o Carrefour precisarão investir em ações concretas no sentido de mudar as práticas socioambientais – caso contrário, o risco de novos prejuízos se manterá bastante alto.

ESG é um tema complexo e, por isso, demanda um amplo debate público, envolvendo os diferentes atores: sociedade, empresa e poder público, de modo a buscar um consenso, sem ideologias e pressões políticas. O que se deve considerar é que no “novo normal” não cabem mais “meias” ações, “pinturas verdes” ou endeusamentos. Cabem apenas as verdades de um mundo que está passando por uma transição de modelos econômicos pautada nas transformações sociais e ambientais, com prognósticos nada animadores. Não se trata de quem é o melhor em ESG, trata-se da busca contínua pela melhoria das relações com o meio ambiente e a sociedade.

Carolina Cordeiro é bióloga e gestora ambiental.

Carolina Cordeiro

Bióloga e gestora ambiental de projetos de energias renováveis, é mestre em Gestão Ambiental pela Universidade de Cantábria, Espanha, e especializada em Engenharia Ambiental.