Bemdito

Lições de um sobrevivente

Respire, encare, parta pra cima da vida, abrace o seu destino e vá até o final só pra saber no que vai dar
POR Jamieson Simões
Nighthawks (Edward Hopper)

Respire, encare, parta pra cima da vida, abrace o seu destino e vá até o final só pra saber no que vai dar

Jamieson Simões
jamrsimoes@gmail.com

Vamos lá! Hora de encarar o fracasso que somos. Especialistas na arte de nos ferrar, costurar as próprias feridas e sarar. Se você está lendo isso aqui, é porque sobreviveu quando imaginava que não tinha mais forças pra continuar ou lágrimas pra chorar. Comiseração é boa, mas não muito. Então, já chega! O vinho acabou e você nem percebeu.

Vou te mandar a real e o que você vai fazer com isso é problema seu. Chorar mais? Fazer a ligação adiada até aqui? Chutar o balde? Comer os morangos à beira do precipício? Problema seu. Decida. Abrace o seu destino e vá até o final só pra saber no que vai dar.

Estou na merda desse mundo há muito tempo, vendo a vida tecida pelo lado avesso, indo fundo demais. Tomo cerveja numa cobertura de frente pro mar, no metro quadrado mais caro da cidade. No outro dia, faço o funeral do amor de alguém. No outro, estou na rua Saquarema, visitando quem já morreu, mas insiste em ficar vivo. Estou dizendo isso porque a vida me disse que não tem pra romance. Se você não trincar os dentes e partir pra cima da vida, não é digno dela e dos seus encantos, que existem, mas não se mostram para olhos tenros.

Imagine ao ler isso que estou sentado numa mesa de bar, lugar sagrado das confissões, tomando a cerveja que você vai pagar (não existe escuta grátis). Um braço largado pra trás da cadeira, o outro segurando o copo e falando baixinho, puto contigo. Segura teus B.O.s e presta atenção:

– Você é o que você faz quando o amor acaba. Arrume a bagunça. Se entorte toda pra caber na nova rotina. Prefira não saber de nada de quem partiu. Acolha as noites insones e as refeições solitárias. Fracasse na tentativa de um novo hobby, mas tente. Procure em vão pelo corpo dele ou dela na hora de dormir. Você é exatamente aquele reflexo no espelho embotado por lágrimas quentes. Você é um puto, uma puta e por isso mesmo exige dignidade.

Agora enxugue as lágrimas. Tome um trago e seja o mais honesto que puder com você mesmo. Só você pode fazer o trabalho duro de se confrontar. Até aqui os outros só confrontaram sua representação, a máscara por baixo da máscara. Chafurde ainda mais na lama. Não acabou. Não tenho pena de você e nem do teu demônio de estimação.

– O amor, seu desgraçado! O amor. Exige a reinvenção de si mesmo. Há uma geometria bonita nos cacos, no resto quebrado que ficou. Descubra a anatomia dos sentimentos, sinta a textura muscular da coragem, o epimísio que faz os músculos da felicidade deslizarem sem atrito, permitindo você sorrir bonito, a despeito da dor. Descubra na sua tragédia a hora de encontrar um sonho. Rasteje. Levante, seu miserável! Chega de ter pena de si mesmo. Estou ávido pra celebrar seu novo amor e tomar a cerveja quando ele acabar. A vida é isso. Te desejo coragem!

Não esqueça de ser gentil com você mesmo. Um dia, sentaremos e faremos um concurso de cicatrizes. Essa marca indelével de que vivemos intensamente tudo que nos foi permitido viver até aqui. Honre a você, mesmo sendo quem você é.

Jamieson Simões é um corpo-negro no mundo com toda potência que isso implica. Está no Instagram.

Jamieson Simões

Pesquisador em juventude e violência, é assessor do Comitê Cearense de Prevenção à Violência da Assembleia Legislativa e mestrando em sociologia na UFC.