Livros: portais que se abrem no peito
Como os livros crescem ao redor das estantes e nos conduzem a ler para comemorar – e esquecer
Por Ivna Girão
ivnanilton@gmail.com
“Desliga a TV e vá ler um livro!”. Lembro de uma campanha antiga, bem polêmica na televisão. Parecia a minha mãe, quando eu era pequena, tentando me pedir para, em vão, escolher entre duas coisas deliciosas de comer – prefere bolo ou pizza? Ora bolas, as duas. Hoje em dia, levo o livro e o celular para a cama, um pouco dos dois: leio uma página, me encanto com um trecho e a foto já está com filtros nos stories do Instagram, um convite para receber likes e também para achar pequenas comunidades que compartilhem aquela leitura comigo, e uns inbox apaixonados por cada linha. Com o emocional abalado diante da catástrofe em que estamos vivemos, a concentração está baixa e a leitura se mistura com a ansiedade, com o noticiário trágico, com os obituários nas redes sociais e com essa infinita tristeza que a gente carrega no peito. O vício na internet, a melancolia, a infeliz televisão e a injustiçada Netflix estão longes de serem os únicos responsáveis pela dificuldade de atenção. Ler, pra mim, parece um pouco com aquele ditado de bar: leio para comemorar, leio para esquecer. Pouco ou muito, faça com prazer.
Enquanto lia Os tais caquinhos, novo romance da cearense Natércia Pontes, fiz uma pausa e fui “futricar” as redes sociais. Uma notícia bonita disputou a minha atenção: era um post do Talles Azigon celebrando os 3 anos de fundação da Livro Livre Curió – Biblioteca Comunitária. Dei um repost e segui na leitura. Ainda impactada pelo festejo, me toquei de algo muito bonito que Talles apresentou: “é necessário que se diga, os livros são apenas uma parte, só um dos portais ao redor das estantes. Estamos há três anos abrindo alguns deles. Queremos e vamos abrir muitos outros porque vocês não nos deixaram sozinhos nessa jornada. Quando o sonho é aderido por mais pessoas, é quando acontecem as subversões. Somos subversivas. Se somos do tamanho dos nossos sonhos, então somos gigantes”, disse. Livros são isso, portais que se abrem no peito e ao redor das estantes. E, assim, celebro o aniversário dessa poesia que faz florescer o Curió e os leitores. E me lembro do Jorge Luis Borges – “sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de Biblioteca” – e recrio “tenho certeza que o Livro Livre Curió é nosso paraíso”.
Já imaginou entrar numa livraria ou biblioteca cujas estantes estão repletas de livros escritos por mulheres de todas as áreas do conhecimento? Seria um paraíso. Há esforços bonitos sendo feitos no Ceará para mudar essa realidade. Uma outra experiência literária tem trazido alegria: os novos lançamentos da Aliás Editora. Um coletivo editorial formado por mulheres – de diferentes origens e saberes -, que surgiu no mundo para produzir livros, zines e novos suportes. Anna K. Lima, Isabel Costa e Jéssica Gabrielle Lima, três mulheres empenhadas e felizes em buscar vez, cor, ouvidos, abraços ao que – nós mulheres – quisermos ser. Publicações de mulheres. As coletâneas As cidades e as memórias e As cidades e os desejos, o Claviculário de Anna K Lima, o Invento de borboletas, de Marília Lovatel e Receitas Literárias, de Isabel Costa. E trago aqui também a escritora Socorro Acioli, que, entre amores bonitos vividos por ela à beira-mar, tem promovido os melhores encontros online e formações que esse Brasil já viu, cola aí que tem sempre uma dica de oficina ou leitura. Só me falta tempo, mas me sobra muita alegria para ler tanta mulher incrível nesse Ceará. Viva!
Nos dias difíceis e também nos alegres, aprendi a adiar o fim do mundo abrindo uma taça de vinho e um livro novo, celebrando portais com as belezas escritas e enganando o medo da morte com humores e levezas que encontro nas entrelinhas. E para você, amigo(a) leitor(a), peço que venha comigo, que não consigo ver nada que me faça mais feliz no mundo do que misturarmos os nossos livros e sonhos.
Ivna Girão é jornalista e Coordenadora de Comunicação da SECULT. Está no Instagram.
Serviço
Os tais caquinhos
Natércia Pontes
144 páginas
Editora Companhia das Letras, 2021
Preço: R$ 64,90
A vida mentirosa dos adultos
Elena Ferrante
432 páginas
Editora Intrínseca, 2020
Preço: 35,90
A palavra que resta
Stênio Gardel
160 páginas
Editora Companhia das Letras, 2021
Preço: R$54,90
Suíte Tóquio
Giovana Madalosso
280 páginas
Editora Todavia, 2020
Preço: 59,90
Segredos
Domenico Starnone
142 páginas
Editoria Todavia, 2020
Preço: R$ 59,90
Redemoinho em dia quente
Jarid Arraes
152 páginas
Editora Companhia das Letras, 2019
Preço: 39,90
A terceira vida de Grange Copeland
Alice Walker
336 páginas
Editora José Olympio, 2020
Preço: 39,30
Becos da memória
Conceição Evaristo
200 páginas
Editora Pallas, 2017
Preço: 31,20
Os Sete Maridos de Evelyn Hugo
Taylor Jenkins Reid
360 páginas
Editora Paralela, 2019
Preço: 28,30
Ideias para adiar o fim do mundo
Ailton Krenak
64 páginas
Editora Companhia das Letras, 2019
Preço: R$ 19,90
O peso do pássaro morto
Aline Bei
168 páginas
Editora Nós, 2017
Preço: 24,30
Carta À Rainha Louca
Maria Valéria Rezende
144 páginas
Editora Alfaguara, 2019
Preço: R$ 31,44
Cabeça de Santo
Socorro Acioli
176 páginas
Editora Companhia das Letras, 2014
Preço: R$ 30,80
A desumanização
Valter Hugo Mãe
192 páginas
Editora Biblioteca Azul, 2017
Preço: 32,90
A vida invisível de Eurídice Gusmão
Martha Batalha
192 páginas
Editora Companhia das Letras, 2017
Preço: R$ 33,50