Bemdito

Não vai ter golpe. Podemos respirar aliviados?

A ameaça permanente de golpe oculta um fato notório: no Brasil, o estado de exceção já é regra
POR Ricardo Evandro

A ameaça permanente de golpe oculta um fato notório: no Brasil, o estado de exceção já é regra

Ricardo Evandro Martins
ricardo-evandro@hotmail.com

É fato que o caso pandêmico brasileiro não é o mesmo do que o da maior parte do mundo. Aqui, o governo federal discursou “pelas liberdades” e “contra o isolamento social”, “contra o comunismo”. Mas o que venho tentando mostrar, desde o ano passado, muito por conta da polêmica causada por Agamben – de tom negacionista ou ao menos reducionista -, é que o estado de exceção não precisa se dar via “lockdown”, medidas restritivas, home office, por vigilância dos infectados, etc. Não ao menos quanto ao estado de exceção no Brasil.

As ameaças do filho do Presidente da República e de seu filho em declarar estado de exceção por um “novo AI-5”; ou o abuso do Orçamento de Guerra; ou devido ao modo oportuno pelo qual Bolsonaro se aproveita do impedimento de realização de protestos para ameaçar, caluniar, desinformar e mobilizar os aparelhos públicos em defesa de seus próprios filhos, ou contra àqueles que o critíca; ou para “passar a boiada”, aumentando o desmatamento da Amazônia; ou para aprovar projetos de lei por medidas de austeridade econômica; ou para sustentar um genocídio devido à sua negligência em relação à compra de vacinas, desacredibilizando-as; tudo isso, são só algumas das situações de “emergência excepcional” pelas quais o caso pandêmico brasileiro incorre. E há meses. Há um ano, pelo menos.

Então, será mesmo que é ser muito repetitivo falar de “estado de exceção”, e por tantas e tantas vezes? E justamente quando se trata da República Brasileira, em que o “estado de exceção” é regra, e democracia “exceção? Golpe militar, estado de sítio, genocídio e ecocídio são uma das possíveis legendas realistas da bandeira do Brasil. São os cacos deixados pela nossa “Ordem” e pelo nosso “Progresso”. E remontam a tempos mais antigos, desde a colonização e desde o próprio ato militar fundante da nossa República, pelo mais monarquista dos republicanos – Marechal Deodoro da Fonseca, o proclamador da “Republica do Brazil”. E todas essas ameaças garantidas pelas mesmas instituições e classes que nos enredam ainda hoje, agora mesmo, pelo perigo de um novo golpe, ou de um estado de sítio declarado, que, não, não vai ocorrer.

Não vai ter golpe. Sabemos. Mas respiramos aliviados? Ficamos tranquilos, esperando pelas próximas eleições? Até lá, as instituições estão mesmo funcionando? Não vai ter golpe. Já sabemos. Mas porque o golpe já ocorreu em 2016, com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. O que vivemos hoje são os desdobramentos do golpe da Lava-Jato e cia – ou, quem sabe, do “nomos” colonial sobre o território dos povos indígenas “conquistados”, para quem o apocalipse já ocorreu?
Mais uma vez, o estado de exceção é regra. O que resta saber é a medida da excepcionalidade e quando o freio da história burguesa será acionado.

Ricardo Evandro Martins é doutor em Direito e professor da Universidade Federal do Pará. Está no Instagram.

Ricardo Evandro

Professor de Filosofia do Direito na UFPA, é doutor em Direitos Humanos e coordena o Grupo de Estudos sobre as Normalizações Violentas das Vidas na Amazônia. Atualmente pesquisa sobre teologia política, história do direito e anarquismo.