Nem deprimido, nem esperançoso
A pandemia deixou você sem propósito e prazer? Apareceu um termo perfeito para descrever esse sentimento: você está lânguido
Cintia Bailey
cintia.bailey@outlook.com
Alguns dias, no meu emprego, sinto que tenho que trabalhar duas vezes mais para chegar na metade. Afinal, sou uma imigrante vivendo na Inglaterra sem o inglês como língua materna, trabalhando com comunicação. Mas, na maioria das vezes, me sinto competente e concretizo a maioria das coisas que me propus a fazer.
No entanto, nos últimos meses, me peguei olhando para a parede, confundindo meus dias, conversando com meus colegas sem realmente vê-los. Confesso, sempre fui um pouco perdida e me faltam habilidades para me concentrar, mas notei uma grande mudança em 2021.
Eu sei que não estou sozinha. Parece que encontraram uma palavra para definir o que a maioria de nós está sentindo no momento: lânguido. Ou languishing, termo cunhado em 2002 pelo sociólogo Corey Keyes. Ou seja, estamos em estado de abatimento, de grande fraqueza física e psicológica; sem forças, sem energia.
Essa semana, um artigo do The New York Times chamou languishing de “o filho do meio, negligenciado, da saúde mental”. As redes sociais adoraram o termo e o sentimento parece universal: se você está definhando na pandemia, você está langoroso.
Consegue reconhecer os sintomas? Problemas para se concentrar, desanimado com o futuro, procrastionando mais que o normal? Segundo o artigo, não é esgotamento, nem depressão – as pessoas apenas se sentem um tanto sem alegria e sem objetivo. A sensação é de estagnação e vazio.
Eu não sei como é o languishing de vocês, mas o meu é assim: fico um tempo sem acompanhar as reuniões com as equipe no trabalho e, como há uma bela ponte do lado de fora da minha janela no escritório, fico observando os carros passarem por ela por mais tempo que necessário. E, na hora de voltar pra casa de bicicleta, sinto que estou no automático, chegando em casa na sorte. Parece que a pandemia me deixou um pouco fora do desempenho máximo, incapaz de focar.
Esse efeito colateral inesperado do Covid-19, mesmo nunca tendo sido infectada com ele, tem sido muito interessante de observar, além de ser obviamente irritante.
No artigo do The New York Times, o termo languishing é usado quando não temos sintomas de doença mental, mas também não somos tão saudáveis mentalmente quanto poderíamos ser. Concordo que, se pudéssemos usar apenas uma palavra para descrever a experiência da pandemia, seria esta.
Trabalhando no NHS na Inglaterra e vendo de perto o maior programa de vacinação do país em ação, a esperança de que o fim está próximo bate de frente com o medo de que, mesmo com a vacina, ainda ficaremos dormentes por muito tempo. Estamos forçados a permanecer numa situação que não foi criada por nós e assistindo esse filme triste, onde perdemos nós mesmos.
O que tem ajudado? O humor. As pequenas baboseiras que ainda me fazem rir tem salvado os dias. Como um comentário que vi deixado na postagem desse artigo no Instagram do The New York Times. Um usuário disse: “Boa sorte pra se concentrar por tempo suficiente para ler tudo.”
E eu que li, mas não lembro?!
Cintia Bailey é jornalista e podcaster. Está no Instagram.